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Artigos 30/04/2020

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE A LEI Nº 13.994/2020: SEUS POSSÍVEIS IMPACTOS E EFEITOS NAS SESSÕES DE CONCILIAÇÃO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Em tempos de distanciamento social para conter a proliferação do COVID-19 em todo o mundo, os computadores se tornam verdadeiras portas e janelas para o mundo, encurtando distâncias e permitindo o compartilhamento de informações.

Embora o isolamento venha se mostrando como a opção viável para superação do atual momento vivido em todo o planeta, há de se reconhecer que o sistema judiciário não pode parar à espera da volta à normalidade, de modo que se torna fundamental que seus sistemas, normas e instituições sejam adaptados para a realidade virtual.

Nesta linha de ideias, no último dia 24 de abril de 2020, foi sancionada a Lei nº 13.994/2020¹  que altera os artigos 22 e 23 da Lei n° 9.099/15, para estabelecer novas medidas para os processos em tramite perante os juizados especiais cíveis, os tradicionais JECs, em especial possibilitar que as sessões de conciliação agora também possam realizar-se de forma não presencial em ambientes virtuais.

Como de costume, com o ajuizamento de uma nova demanda perante qualquer JEC do Brasil, o juiz convida às partes para uma tentativa de conciliação, oportunidade em que os envolvidos poderão reunir-se presencialmente em uma sala de audiência para buscar um acordo que satisfaça mutualmente os seus interesses.

Os esforços para obtenção de conciliações no âmbito do Poder Judiciário vêm aumentando ano após ano e foi um dos princípios mestres buscado na nova codificação processual brasileira, contando com apoio de toda a comunidade jurídica para uma menor burocratização do processo e para que se possa oferecer soluções razoáveis no menor intervalo de tempo possível.

Neste ponto, aliás, diga-se que a realização das audiências de conciliação ou mediação por meio eletrônico já eram previstas e normatizadas através do artigo 334, §§ 7º e 8º do CPC/2015, cujas regras têm aplicação subsidiária no âmbito dos Juizados Especiais.

E é exatamente neste sentido que caminha a recém aprovada norma, cujo texto que na primeira parte, em verdade, apenas fala o óbvio ao trata justamente da possibilidade que essas sessões de conciliação sejam realizadas através de ambientes virtuais² , inova ao dispor que o não comparecimento da parte ensejará a prolação de sentença³.

A norma, portanto, encampa a evolução do sistema judiciário tradicional, oferecendo mecanismos modernos de acesso à justiça e visando a resolução de conflitos de forma mais ágil e expedita. Há que se considerar, todavia, que a sua implementação poderá gerar alguma dificuldade e calorosos debates quanto aos efeitos processuais decorrentes do termo “não comparecimento”, em especial no que se refere à garantia de um tratamento igualitário às partes e do prestígio à ampla defesa do demandado.

Em um primeiro momento, quando se analisa os efeitos desta nova norma apenas sob a ótica das empresas e grandes corporações, têm-se que as conciliações por métodos virtuais poderão significar uma grande redução de custos, em especial àqueles relativos às contratações de advogados correspondentes ou deslocamentos para comarcas de difícil acesso.

É preciso ter em mente, porém, que os JECs são ambientes em que não apenas figuram grandes empresas, mas também propicia que cidadãos busquem solucionar seus entraves de menor complexidade e valor envolvido. Destarte, em um segundo momento, por mais elogiável que seja a adaptação do sistema judiciário em busca da modernidade e do oferecimento de novas tecnologias para garantir o acesso à justiça e a solução de conflitos no menor tempo possível, torna-se de fundamental importância considerar que referidas medidas também não percam de vista o acesso à Justiça, a ampla defesa e a plenitude do oferecimento de defesa às alegações e queixas, princípios estes consagrados na Constituição Federal e base em estados democráticos de direito.

Muito embora reconheça-se a manifesta intenção positiva de aceleração da informatização processual, ainda mais em época conturbada de isolamento social a partir do COVID-19, a nova legislação aprovada pela presidência da república com efeitos imediatos, traz em seu texto que a recusa ou o não comparecimento do demandado à audiência virtual significará o sentenciamento do feito e, portanto, ao que tudo indica, também a conclusão de uma suposta confissão ficta do demandado, com todos os efeitos a ela inerentes.

A partir dessas considerações, cabe fazermos uma reflexão se a depender de como essas novas medidas forem implementadas, não acabarão por gerar um desiquilíbrio do tratamento entre as partes, em especial àqueles que ainda hoje não possuem fácil acesso à informatização (seja este demandante ou demandado!) e, por vezes, poder-se-iam prejudicar pela falta da tecnologia ou do acesso às fontes de comunicação.

Assim, em que pese seja notável a intenção do legislador, é preciso muito cuidado e atenção com a implementação das sessões virtuais de conciliação e como caminharão eventuais Resoluções dos Tribunais Estaduais e CNJ sobre a matéria, em especial no que se refere aos procedimentos e garantias a serem adotados em virtude da hipótese de prolação de sentença no caso do não comparecimento do demandado, tudo com o objetivo de que as novas medidas não acabem por traduzir-se em mais um obstáculo para os postulantes do Poder Judiciário e da pacificação social.

¹ Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13994.htm (acesso feito em 28.04.2020).

² Estabelece o Art. 2º alterações ao Art. 22º da Lei nº 9.099/96 no sentido de: “§ 2º  É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes.” (NR)”

³ Neste sentido: “Art. 23.  Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença.”.

Escrito por:
Andréa Seco
Eduardo Machado Tortorella

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