Pode-se entender por efetividade do processo a almejada aptidão a eliminar insatisfações com justiça e fazer cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade.
Dessa forma, a exploração de todos os meios processuais pertinentes em acordo com todas as necessidades demandadas culmina na mais ampla proteção dos direitos de uma sociedade.
É por esse motivo que se faz premente alargar e difundir a efetivação da tutela dos direitos coletivos uma vez que eles foram concebidos com uma grande finalidade: ampliar o acesso à justiça.
Para que a tutela coletiva, de qualquer direito, alcance sua total efetividade, é preciso que seja entendida em todas as suas dimensões.
Não é novidade para o direito, que a natureza jurídica de um bem jurídico relevante não é algo estático, muito pelo contrário, ela pode se amoldar a diversas situações diferentes apresentando em cada uma delas um caráter diferente.
Com a livre concorrência é a mesma coisa.
Ao que parece, a maioria dos doutrinadores, hoje acordam no sentido de considerar a livre concorrência como um direito de caráter difuso uma vez que a sua proteção beneficia a toda a sociedade proporcionando um mercado competitivo, preços e qualidades variadas, enfim uma economia sólida.
Embora se fixe uma natureza jurídica essencialmente difusa, sabe-se que sua afetação pode irradiar efeitos em várias outras dimensões.
A natureza difusa da livre concorrência, o é pela importância do bem jurídico protegido: a livre concorrência traz em sua base a estrutura do mercado econômico. Zelar pela livre concorrência em seu caráter difuso é sustentar a economia e garantir a segurança do mercado consumidor, fornecedor, econômico, enfim, de todos coletivamente.
Porém, essa afirmação não exclui o fato de que a livre concorrência encerra em si, vários outros valores que a compõem: consumidores, fornecedores, grupos de pressão, segmentos de classe.
O que ocorre é que o que classifica a natureza jurídica da livre concorrência não são as variadas formas que os interesses de cada grupo se apresentam, porque se assim fosse, a livre concorrência não poderia ter uma natureza jurídica estabelecida vez que pode se instigar interesses em todas as concepções possíveis: difusa, coletiva, individual, individual homogênea.
Por este fator, fixa-se a natureza jurídica pela sua essencialidade: é bem jurídico que se volta a proteção do mercado econômico, bem difuso portanto, relacionado a toda a coletividade.
Até porque, alcançando-se a sociedade, protege-se todos os grupos menores nela inseridos, e, por outro lado, restringindo-se a um grupo em especial, deixa-se de lado uma parcela desprotegida.
Nesse panorama, existem formas de proteção da livre concorrência para cada uma de suas perspectivas.
Quando analisamos o aspecto individual, não resta dúvida que a forma de tutela aplicável é somente o judiciário e assim o é porque a outra forma de proteção da livre concorrência que é o CADE não se vale para apreciações individuais que não irradiem efeitos no mercado econômico.
Sendo assim, só haverá possível dualidade de aplicação de tutela quando se tratar de âmbito coletivo pois nesse ponto pode-se utilizar tanto os cuidados do CADE quanto do judiciário.
A tutela do CADE é viabilizada pela Lei 8884/94 a qual o instituiu como autarquia federal e lhe conferiu poderes para regular o mercado econômico e apreciar questões que exorbitem a livre concorrência.
Já o judiciário, da forma mais abrangente possível, pode ser utilizado através do artigo 5º, XXXV da constituição federal através da inafastabilidade do controle jurisdidcional.
Não existem dúvidas quanto à possibilidade de utilização dessas duas formas de proteção. Porém, dúvidas existem quanto aos limites de utilização de uma e de outra; quando se deve buscar a tutela administrativa e quando deve-se buscar a judicial.
Para tanto, alguns limites foram pensados para que, de uma forma prática, se pudesse imaginar a funcionalidade de cada um dele ou de ambos conjuntamente.
Sabe-se que ambas as tutelas, tanto a exercida pelo CADE quanto a pelo judiciário, podem determinar como sanções obrigações pecuniárias ou obrigações de fazer ou não fazer para o fim de proteger a livre concorrência.
Quando da atuação do CADE, ao determinar que cesse atos de concentração (obrigações de não fazer, por exemplo), busca-se o intuito de barrar determinada situação que esteja sendo prejudicial ao mercado econômico, ou que possam vir a ser, abarcando aqui o caráter das possíveis medidas preventivas. Da mesma forma ocorre com as obrigações de fazer em que busca-se alcançar o mesmo objetivo, como por exemplo ao determinar que diante de uma fusão, a empresa que esteja prejudicando a livre concorrência, venda parte de sua produção a empresas menores. Nesse caso o que se busca é, da mesma forma, a estabilidade do mercado.
Vê-se assim que a designação do fazer ou não fazer podem objetivar tanto um caráter preventivo assim como repressivo, a depender da situação no caso concreto: se o ato restritivo à concorrência já ocorreu e precisa ser cessado ou se vai ocorrer e precisa ser barrado.
Por outro lado, ao se abordar as sanções pecuniárias, tem-se também as multas previstas na Lei nº 8.884 de 1994, determinadas pelo CADE, destinadas ao FDD (Fundo de direitos difusos) por tratar tal lei dos interesses coletivos relacionados com a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Esse dinheiro tem por finalidade desestimular a empresa infratora a não mais realizar atos de que restrinjam a concorrência assim como servir de exemplo e desestimular todas as outras empresas do mercado a realizar ações predatórias.
O mesmo se dá com as ações civis públicas cujas condenações pecuniárias são também revertidas para o mesmo fundo voltado a proteção dos direitos difusos. A diferença porém decorre do fato da multa administrativa ser materialmente distinta da condenação pecuniária uma vez que esta tem como finalidade reparar os prejuízos causados enquanto aquela, sendo multa, possui função dissuasória.
Alguma estranheza é causada ao pensar que ambas, sendo destinadas para o mesmo fundo (FDD), serão designadas para os mesmos tipos de atividades, quais sejam a recuperação de bens, a promoção de eventos educativos, científicos e a edição de material informativo para evitar e reparar prejuízos, aparentando não mais existir diferença entre uma e outra pena pecuniária configurando assim a figura do bis in idem.
No entanto, acredita-se que a mesma destinação do dinheiro auferido não desnatura a natureza da sanção.
Quando se busca a tutela de um bem jurídico em sua forma de plena efetividade tenta-se enxergar todas as facetas do bem, passíveis de proteção. Nesse sentido, imaginar uma sanção com finalidade dissuasória e uma outra com finalidade reparatória significa a plena preservação do bem em questão e não uma forma de bis in idem ou penalidade despropositada.
Porém, outro fator que deve ser analisado é quanto às obrigações de fazer e não fazer impostas pelo CADE e judiciário. Estas sim se exteriorizam e se cumprem de forma igual não havendo motivos para serem determinadas por ambos os órgãos.
Nesse sentido, resta a dúvida: entre as duas, qual tutela buscar?
O CADE, apesar de ter suas penalidades definidas em multas pecuniárias ou obrigações de fazer ou não fazer, possui grande mobilidade quanto a estas últimas. O CADE, através de seu conhecimento apurado sobre a matéria é capaz de prever alguns efeitos no mercado que, provavelmente, não o seriam por um simples conhecedor da matéria, como é o caso de um juiz ao decidir uma questão de direito antitruste. Por este motivo, foi conferido ao CADE a discricionariedade quanto a imposição das penas por ele aplicadas.
Esse fator é um grande incentivador a ensejar a proteção do CADE em detrimento da do judiciário quando o que se busca são obrigações de fazer ou não fazer.
Ao contrário do judiciário que se restringe ao pedido feito pela parte, por exemplo, determinar o desfazimento do negócio jurídico realizado diante de uma fusão, o CADE, poderia, avaliando as conseqüências do ato, determinar, a criação de uma nova marca para diversificar a produção ao mesmo tempo em que a fusão realizada poderia cumprir um papel de grande importância como o de fazer frente ao mercado internacional.
Esse é o beneficio auferido pelo CADE, a possibilidade de enxergar o mercado como um todo e não somente daquele que está sendo prejudicado pontualmente.
Por fim, quando se trata de ações coletivas para a tutela de direitos individuais homogêneos relacionados à concorrência, tem-se a mesma conclusão quanto às obrigações de fazer ou não fazer, optando-se pela discricionariedade e especialidade exercida pelo CADE.
Já quanto às penas pecuniárias aplicadas para resguardar direitos individuais homogêneos aplicadas pelo judiciário, não resta dúvidas quanto a sua dissociação em relação à sanção aplicada pelo CADE: aqui a sanção pecuniária encontra finalidade indenizatória individualizada, ao contrário da tutela administrativa exercida apelo CADE e da judicial aplicada quando das ações civis públicas pois as ações coletivas se voltam a sujeitos individualizados e não mais coletivizados em função do interesse social.
Nesse sentido, as indenizações arbitradas em sede de ações coletivas, embora determinadas genericamente, passam a ser moldadas aos prejuízos específicos de cada lesado quando da habilitação de seus créditos em processo judicial.
Sendo assim, pode-se entender pela concomitância das formas de tutela com a finalidade de se proporcionar a proteção do bem jurídico da forma mais ampla possível.
Por tudo que foi exposto, resta dizer que tais entendimentos se fazem bastantes importantes quando primeiro: analisa-se a finalidade da norma que é justamente a proteção da livre concorrência, e segundo: quando se entende a importância de se preservar a livre concorrência da forma mais ampla e plena possível, pois uma vez assegurada , seu caráter difuso é preservado. E se voltarmos ao início do texto, o caráter difuso deste bem jurídico engloba grandezas como os consumidores, o mercado econômico, a liberdade de escolha quanto ao tipo e qualidade de um produto, a segurança jurídica do mercado de consumo, enfim, finalidades voltadas à sociedade em geral.
Nesse sentido, dominar os meios de proteção e utilizá-los individualmente em alguns casos e conjuntamente em outros significa a plena proteção do mercado econômico, incluídos aí interesse não só da sociedade consumidora mas também interesses empresariais que necessitam cada vez mais de resguardo em tempos de globalização e competitividade acirrada como o nosso.
Dessa forma, valer-se de meios jurídicos de proteção já colocados à disposição pelo nosso ordenamento jurídico constitui forma de pensar o direito e colocá-lo à mercê se seu grande criador: a coletividade.
Fonte: Almeida Advogados
– Ana Paula Casagrande