O Brasil caminha para a aprovação da sua maior reforma do sistema tributário brasileiro.
Confirmou-se a expectativa e a Câmara dos Deputados aprovou em dois turnos o texto que pretende substituir cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS) por três tributos (Contribuição sobre Bens e Serviços — CBS, Imposto sobre Bens e Serviços — IBS e Imposto Seletivo — IS).
Muito embora a intenção seja simplificar e modernizar o sistema tributário, caso a reforma venha a ser aprovada com base na redação recém apresentada pelo seu relator – Deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB), a expectativa é de que o setor de reciclagem seja significativa, e negativamente, impactado.
Não é demais dizer que os prejuízos serão imensuráveis ao setor e ao meio ambiente, a ponto de desestimular completamente a comercialização de materiais recicláveis e insumos reciclados.
Atualmente, a comercialização de insumos reciclados no Brasil conta com:
(i) O diferimento do ICMS nas operações internas (dentro do mesmo Estado);
(ii) A não incidência de IPI; e
(iii) Isenção de PIS/COFINS (tema ainda em discussão no Supremo Tribunal Federal);
Apesar de os benefícios mencionados ainda assim serem insuficientes para que os insumos reciclados consigam fazer frente à atividade extrativista, ao menos o setor ainda possui algum incentivo como forma de privilegiar a reinserção de materiais na cadeia produtiva e a economia circular.
O texto inicialmente divulgado não previa qualquer forma de incentivo ao setor, demonstrando o desconhecimento dos parlamentares com a atividade e a sua importância.
Nos últimos dias, após incessante movimentação junto aos deputados e, sobretudo, com o relator Agnaldo Ribeiro, quase no apagar das luzes foi inserido no texto a autorização para a concessão de crédito presumido a quem adquirir de pessoa física ou cooperativas “resíduos e demais materiais destinados à reciclagem, reutilização ou logística reversa”.
Trata-se de um pequeno incentivo à cadeia de reciclagem, porém, que a primeira vista não deve gerar o efetivo fomento que o setor necessita.
Isto porque, a venda de insumos reciclados passará a ser tributada integralmente pelos novos tributos (IBS e CBS), a uma alíquota que vem sendo estimada (ainda não oficial) de aproximadamente 25%, sendo que o crédito presumido exposto no texto não deverá resultar no benefício efetivamente necessário para o incentivo à cadeia de reciclagem.
Para um setor já bastante fragilizado, com pequena margem de lucro, com poucos investimentos e incentivos públicos e que, sobretudo, não terá crédito dos novos tributos em suas aquisições (em razão de os materiais recicláveis serem adquiridos substancialmente de pessoas físicas), a imposição de tamanha carga tributária trará impactos extremamente negativos ao setor.
Soma-se a isso a ainda maior vulnerabilidade das inúmeras cooperativas que atuam no setor, que exercem papel de tamanha relevância para a cadeia e ao meio ambiente, mas que atualmente já são sufocadas pela tributação incidente em sua atividade (muitas vezes sequer conseguindo suportar o recolhimento dos tributos atuais, gerando um enorme passivo à sua atividade).
Apesar de o texto fazer menção à necessidade de norma específica prevendo o adequado tratamento tributário às cooperativas, não há qualquer indício se tal tratamento será efetivamente implementado pelo legislador e, muito menos, de que forma, gerando ainda mais insegurança.
O país possui com a reforma tributária uma grande oportunidade de combater a sonegação fiscal no setor e elevar significativamente a arrecadação de forma indireta (por meio da formalização do setor, aumento dos empregos, dos lucros das empresas e, consequentemente, da arrecadação – IRPJ, CSLL, INSS, FGTS).
Todavia, o que se vê com o texto é o contrário às necessidades do setor e do próprio Poder Público.
Em contrapartida, a reforma privilegiará ainda mais a atividade extrativista, sendo cada vez mais benéfica a aquisição de insumos extraídos da natureza do que insumos reciclados, uma vez que seus preços serão substancialmente majorados pela nova tributação.
O país caminha na contramão do resto do mundo, que isenta os materiais recicláveis e insumos reciclados dos seus respectivos tributos sobre o consumo (VAT).
Espera-se que o Congresso brasileiro adeque o texto da reforma tributária, a fim de evitar tamanho prejuízo a um setor tão importante ao país e ao meio ambiente – antes que seja tarde demais.
Por Fabio Catta Preta Casella, advogado especialista em Direito Tributário.