Mais uma tentativa de redução do alto volume de recursos que tanto emperram a celeridade da prestação jurisdicional acaba de ser criado. A Lei n° 11.672/08 acrescenta ao Código de Processo Civil brasileiro, o artigo 543 “C” que, de acordo com o caput, disciplina que “Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo”.
A Lei nº. 11.672/08 representa mais um reflexo da chamada reforma do Judiciário, decorrente da Emenda Constitucional nº. 45, cujo principal objetivo é buscar desafogar as prateleiras do Judiciário da enorme quantidade de processos e recursos que pendem de julgamento e que, sem dúvida, trazem, além do prejuízo e sofrimento ao jurisdicionado, o descrédito na Instituição.
O legislador atento a esta questão já vinha estabelecendo mecanismos nesse sentido. Assim, se deu com o artigo 285-A (processos repetitivos), o artigo 518, § 1º (súmula impeditiva de recursos), os artigos 543-A e 543-B (repercussão geral do recurso extraordinário) e a Lei nº. 11.417/06 que instituiu a denominada Súmula Vinculante.
No caso da Lei nº. 11.672/08, a intenção do legislador foi clara, qual seja a de livrar o Superior Tribunal de Justiça da multiplicidade de recursos com idêntica questão de direito. De fato, segundo na exposição de motivos do PL nº. 1.213/07, o Ministro da Justiça Tarso Genro esclareceu que “somente em 2005, foram remetidos mais de 210.000 processos ao Superior Tribunal de Justiça, grande parte deles fundados em matérias idênticas, com entendimento já pacificado naquela Corte. Já em 2006, esse número subiu para 251.020, o que demonstra preocupante tendência de crescimento”.
De acordo com o parágrafo 1º do artigo 543 “C”[1], o presidente do Tribunal de origem ao verificar que se trata de demanda de massa, poderá separar um ou mais processos para exame e apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Com isso e baseada nos argumentos apresentados pelos recorrentes, esta Corte de Justiça terá amplo conhecimento do debate realizado nas instâncias superiores sobre aquela matéria. Nesse juízo de admissibilidade deverá suspender todos os recursos especiais que estejam tramitando no Tribunal até que se tenha uma uniformização do entendimento do STJ sobre a matéria.
Referido artigo também determina, em seu parágrafo 2º[2], que se o Tribunal de origem não tomar essa providência, o próprio relator da Corte Superior de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.
Questão interessante trazida pela nova lei é a que permite que o relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e desde que relevante a matéria, possa admitir a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.
Outra alteração digna de nota é a contida no parágrafo 6º[3] do artigo em comento. De acordo com o dispositivo “transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus”.
Num primeiro momento, e por intermédio da interpretação literal do dispositivo legal, chega-se à conclusão que à solução para as ações de “massa” teve prioridade, para fins de julgamento, sobre o mandado de segurança, uma vez que a lei admite prioridade apenas para os casos de réu preso e pedidos de habeas corpus.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, na Resolução nº. 7, de 14 de julho de 2.008, que estabelece os procedimentos relativos ao processamento e julgamento de recursos especiais, incluiu no rol de prioridades o Mandado de Segurança.[4]
Ocorrido o julgamento e uma vez publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, o parágrafo 7º do artigo em 543 “C” estabelece que os recursos especiais sobrestados na origem: “I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou, II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça”.
O que ocorrerá na realidade é que, os recursos julgados pelos tribunais inferiores ainda não encaminhados ao STJ, e que estavam suspensos até a análise da Corte, deverão ser novamente submetidos à julgamento, de modo a que a decisão anterior se adeque ao entendimento do STJ.
Se o tribunal de origem, nesse novo julgamento, manter a decisão anteriormente dada, o recurso especial deverá ser encaminhado ao STJ, de maneira que esta Corte de Justiça analise a admissibilidade do recurso interposto pela parte vencida.
Quanto ao direito intertemporal, dispõe o artigo segundo da Lei que a nova regra aplica-se a partir de sua entrada em vigor, não retroagindo para alcançar recursos protocolizados anteriormente, de tal modo que o novo incidente de “uniformização” ou de “julgamento em massa” de processos deverá abranger novos recursos especiais, e não os que já se encontram no aguardo de julgamento na Corte. Dessa forma, com a finalidade de preservar a segurança jurídica, não se vislumbrará em curto prazo a tão esperada celeridade do Poder Judiciário.
Outro ponto que parece preocupar é a omissão da legislação quanto à revisão do entendimento do STJ, caso ocorra, por exemplo, uma mudança da composição desta Corte.
Em suma, ao que parece, o legislador infraconstitucional pretendeu, em prol do princípio da celeridade processual, garantir que a entrega da prestação jurisdicional não fique prejudicada pelo excessivo número de demandas idênticas. Procurou, enfim, dar uma alternativa, às demandas de massa que tanto contribuem para a já conhecida lentidão enfrentada pelo Poder Judiciário, cujas principais vítimas são os jurisdicionados, sem, entretanto, conseguir grande efetividade para melhorar o cenário atual, tendo em vista que, conforme dito, a lei não alcançará os recursos que aguardam julgamento e que foram protocolizados antes da entrada em vigor da citada lei.
O setor contencioso do Almeida Advogados coloca-se à disposição para quaisquer esclarecimentos relacionados ao assunto em referência.
——————————————————————————– [1] Art. 543 C, § 1o “Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça”.
[2]Art. 543 C, § 2o “Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida”.
[3]Art. 543 C, § 6o “Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus”.
[4] STJ, Resolução nº 7 – Art. 4º. A Coordenadoria da Seção ou da Corte Especial, ao receber o recurso especial afetado, deverá: I – Incluí-lo na primeira pauta disponível, quando será julgado com preferência sobre os demais, exceto os processos relativos a réu preso, habeas corpus e mandado de segurança.
Fonte: Almeida Advogados – Ana Carolina Renda e Cassio Augusto Ambrogi / Gustavo Henrique Faria