Diante da morosidade do Poder Judiciário, ocasionada dentre outros fatores pelo excesso de demandas judiciais, muitas vezes desnecessárias e solucionáveis sem a necessidade de se movimentar a máquina judiciária, atrelado ao fato de se criar um sistema ágil e simplificado de distribuição da Justiça pelo Estado, instituiu-se em 1995, através da Lei 9099/95, em consonância com o artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Em virtude da ausência de previsão legal para criação dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal, somente após a Emenda Constitucional 22, publicada em 18 de março de 1999 foi acrescido o parágrafo único ao artigo 98 da Carta magna dispondo sobre os Juizados Especiais no âmbito Federal, o que originou a Lei 10.259/2001 na seara federal e que também será objeto de alguns comentários no presente trabalho.
Por se tratar de um sistema mais célere que o previsto na Justiça Comum, a legislação explicita princípios distintos, mas sempre convergindo na viabilização do amplo acesso ao Judiciário e na busca da conciliação entre as partes sem violação das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ou melhor dizendo, que deveriam convergir, já que alguns julgados desrespeitam tal disposição em razão de interpretação equivocada da lei.
Dentre os princípios elencados no artigo 2º da lei 9.099/95, temos o da oralidade onde o legislador priorizou o critério da oralidade, ou seja, apenas os atos essenciais serão reduzidos a termo.
A título de exemplo, temos a questão da oitiva de testemunhas onde os depoimentos são gravados e somente em caso de interposição de recurso serão os mesmos reduzidos a termo e encaminhados ao Colégio Recursal competente.
Ainda com relação aos princípios temos a informalidade e a simplicidade, ou seja, independentemente da forma adotada, os atos processuais serão considerados válidos sempre que atingirem sua finalidade (artigo 13 da lei), bem como nenhuma nulidade será reconhecida sem a demonstração do prejuízo (artigo 13, § 1º).
Um exemplo bastante característico da informalidade nos Juizados Estaduais e Federais refere-se à intimação das partes, que pode ser realizada por qualquer meio idôneo de comunicação inclusive o fac-símile ou meio eletrônico.
Ainda nesta seara, o dispositivo legal na esfera estadual autoriza a citação postal das pessoas jurídicas de direito privado pela simples entrega da correspondência ao encarregado da recepção (artigo 18, II), distintamente do Código de Processo Civil que impõe a entrega à pessoa com poderes de gerência ou administração.
Referida informalidade direciona a demanda à economia processual, visando a obtenção do máximo rendimento da lei com o mínimo de atos processuais.
Ademais, salvo a comprovada má-fé, momento em que será observado o disposto no artigo 18 do Código de Processo Civil, bem como ausência injustificada do demandante a qualquer ato do processo (artigo 51, § 2º), desde a propositura da ação até o julgamento pelo juiz singular, estarão as partes dispensadas do recolhimento de custas, e de suportarem o ônus da sucumbência, ressaltando, portanto, que o fator determinante para a isenção de custas é o grau de jurisdição.
Isto porque caso qualquer das partes manifeste interesse na interposição de recurso, excetuada a hipótese de assistência judiciária gratuita, exige-se o pagamento do preparo, que compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, e neste ponto nos deparamos com a primeira polêmica.
Salvo as indicações contidas na parte final do artigo 30 e no caput do artigo 51 da Lei 9.099/95, o Código de Processo Civil sequer é apontado como norma supletiva de interpretação, o que, na maioria das vezes, acaba por provocar divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
Em que pese os princípios norteadores dos Juizados, o Código de Processo Civil, sempre que possível deverá servir de alicerce jurídico para dirimir questões omissas ou prejudiciais aos litigantes, no tocante ao cerceamento de defesa e violação do contraditório e da ampla defesa, princípios constitucionais que torna praticamente obrigatório a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, senão vejamos.
DO PREPARO
Nesse diapasão, o §1º do artigo 42 da lei do juizado dispõe que o preparo será feito, independentemente de intimação, nas 48 horas seguintes à interposição do recurso, sob pena de deserção, o que parece razoável.
Ocorre que o Enunciado 2 do I Encontro de Colégios Recursais da Capital de São Paulo, realizado em 17 de novembro de 2000, prevê que em razão do §1ºdo artigo 42, não deverá ser aplicado o §2º do artigo 511 do Código de Processo civil que dispõe sobre a intimação do recorrente para efetuar a complementação do preparo no prazo de 5 (cinco) dias.
Ora, a Lei do Juizado é omissa no tocante à eventual complementação de custas processuais, momento em que deverá ser aplicado de forma subsidiária o Código de Processo Civil, em detrimento do Enunciado 2 do Encontro de Colégios Recursais por razões óbvias, afinal um Enunciado não pode se sobrepor a Lei Federal, sob pena de subversão à ordem jurídica, muito menos em relação à ampla defesa, posto que não se trata de desídia da parte recorrente, mas tão somente erro perfeitamente sanável referente à complementação.
Não condiz com o propósito dos Juizados Especiais impor óbices para o acesso à Justiça, ainda mais contrariando Lei Federal e princípios constitucionais.
É perfeitamente compreensível a busca da celeridade processual, sem, entretanto, violar o princípio da segurança das relações jurídicas, o que não se verifica no acima exposto, pois ao não se aplicar o §2º do artigo 511 do Código de Processo Civil, não o está tornando mais célere e sim transgressor de princípios constitucionais.
Ora, todos estão sujeitos a erros materiais e nesta seara, o § 2º do artigo 511 deve ser aplicado, já que não houve ausência de recolhimento, mas sim, erro perfeitamente sanável e que, em hipótese alguma poderá tornar deserto o recurso interposto.
Ainda sobre a celeridade nos Juizados, é vedada a intervenção de terceiros e a assistência, admitindo-se, apenas o litisconsórcio (artigo 10 da Lei).
Não se deve perder de vista que acima da celeridade processual o Juizado especial tem que procurar atingir a justiça. De que adianta a rapidez na tramitação dos feitos se tal ocorre em prejuízo notório para o direito de alguma parte causando assim injustiça? Certamente o Juizado não foi criado para isso.
Como se não bastasse a supressão da aplicação do § 2º do artigo 511, a contagem do prazo para o recolhimento do preparo, que está diretamente ligado ao prazo de interposição do recurso inominado é questão de relevância polêmica.
DO RECURSO INOMINADO
Isto porque o artigo 42 da Lei do Juizado prevê que o recurso será interposto no prazo de 10 dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. E continua no § 1º a dispor sobre o preparo que será no prazo das 48 horas seguintes à interposição.
Referido dispositivo a princípio não geraria discussões se não fosse pelo fato de mais uma vez não se aplicar subsidiariamente o Código de Processo Civil. Isto porque vem sendo entendido que o prazo inicial para a interposição do recurso Inominado será o dia da intimação e não o primeiro dia útil subseqüente, conforme previsto no artigo 184 do Código de Processo Civil, ou seja, publicada a sentença, a contagem do prazo se iniciará naquela data, o mesmo acontecendo se a sentença for prolatada em audiência, onde já sairão os presentes intimados e correndo prazo para recurso.
É perfeitamente compreensível que a contagem do prazo se dê da ciência da sentença, todavia, a forma de contagem deverá respeitar o disposto no artigo 184 do Código de Processo Civil, excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o do vencimento. No entanto, não é o que se tem verificado em alguns julgados, entendimento equivocado este que refletirá, também, no recolhimento do preparo.
Referido recurso, ao contrário do disposto no artigo 520 do Código de Processo Civil, que elenca as hipóteses de recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo, será recebido somente no efeito devolutivo, facultando ao magistrado a concessão do efeito suspensivo a fim de evitar dano irreparável para a parte, o que mais uma vez fere a ampla defesa já que o indeferimento do pedido de efeito suspensivo não poderá ser objeto de Agravo como se verificará adiante.
Explanada a ilegalidade do artigo 42 da Lei, partimos para os demais remédios previstos, ou melhor dizendo, remédio visto que a Lei do Juizado nos artigos 41 e 48, dispõe sobre o cabimento de apenas dois recursos, quais sejam, o recurso inominado e Embargos de Declaração.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Nesse diapasão, os Embargos de Declaração no Juizado se diferencia do previsto no Código de Processo Civil em relação aos efeitos para com o prazo para interposição do recurso de Apelação, ora Recurso Inominado, mantendo-se, todavia o prazo de 5 (cinco) dias para oposição. Isto porque no Juizado a oposição de Embargos irá apenas suspender o prazo para interposição do recurso inominado, e não interromper. Dessa feita, com a sentença dos Embargos, o prazo para o recurso inominado recomeçará de onde havia sido interrompido.
DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Diante do princípio da celeridade, bem como ausência de previsão legal, a quase que totalidade da doutrina sustenta a irrecorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do processo, fundamentando o entendimento no fato da questão poder ser combatida em sede de recurso por não ocorrer a preclusão.
Entretanto, como fica a questão de decisões interlocutórias proferidas após a sentença e que seriam objeto de Agravo de Instrumento, por exemplo, decisão declarando deserto ou intempestivo o recurso ou ainda recebendo o recurso apenas no efeito devolutivo quando da manifesta presença de dano irreparável.
Resta por óbvio que um mero pedido de reconsideração não irá solucionar a questão, muito menos a interposição de Agravo posto que o mesmo sequer será conhecido, a menos que haja bom senso por parte dos magistrados, momento em que será aplicado de forma supletiva o Código de Processo Civil, fato que não vem sendo observado nos Colégios Recursais.
A ausência de previsão legal não obriga o prejudicado a se manter inerte, em detrimento da violação do seu direito à ampla defesa. Dessa feita, o que têm feito os advogados é impetrar mandado de segurança contra ato ilegal do juízo “a quo”, posto que constitui no único remédio, vale dizer, constitucional, para buscar sanar o ato contrário ao ordenamento jurídico, impossível de ser realizado com fundamento na Lei 9.099/95 que simplesmente impede que isto ocorra. Como já explanado acima, o Juizado deve ser célere, porém, em conformidade com os demais dispositivos legais, em especial a Carta Magna.
Ainda no tocante ao Agravo no âmbito dos Juizados, a Lei 10.259/2001 (Juizados Especiais no âmbito Federal) admite a interposição de Agravo de Instrumento no prazo de 10 dias para os casos de indeferimento de pedido de medida cautelar, o que também deveria ocorrer na esfera estadual, ao revés de ter que se aguardar a sentença para se questionar pleito que, dependendo da situação tornou-se irreparável.
RECURSO ADESIVO
Melhor sorte não assiste ao recurso adesivo que, também por falta de expressa previsão legal não é cabível, bem como é incompatível com a celeridade. Isto porque somente é admissível nas hipóteses taxativas previstas no artigo 500 do Código de Processo Civil, onde não consta o remédio recurso inominado.
DO RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO
Não é cabível Recurso especial nos Juizados em razão das Turmas Recursais dos Juizados Especiais não estarem entre os Tribunais especificados no inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, razão porque tal recurso não tem sido conhecido, existindo, inclusive súmula no STJ de número 203.
No entanto, no que se refere aos Juizados Especiais no âmbito Federal há previsão de julgamento por parte do STJ de incidentes de divergência nas hipóteses previstas nos §§ 2º e 4º do artigo 14 da lei.
Já o Recurso Extraordinário, observadas as exigências previstas na Constituição Federal , no artigo 102, é cabível recurso extraordinário contra decisão de Turma Recursal de Juizado Especial. No âmbito Federal, também é cabível o recurso extraordinário com a ressalva de se observar além das normas do Supremo Tribunal Federal, as regras dos §§ 4º a 9º do artigo 14 da Lei 10.259/2001.
Exposta a questão dos recursos cabíveis e suas discutíveis divergências, vale ressaltar a previsão da obrigatoriedade da presença de autor e réu nas audiências de conciliação, instrução e julgamento, sob pena de extinção do feito sem julgamento do mérito para a ausência do Autor (artigo 51, I) e aplicação dos efeitos da revelia para ausência do Réu, sendo esta previsão aplicável tanto à pessoa física quanto jurídica.
Ademais, e ao contrário do disposto no artigo 36 do Código de Processo Civil que dita que as partes serão representadas em juízo por advogados, o artigo 9º da Lei 9.099/95 estabelece que as partes serão apenas assistidas por advogados. Referida previsão visa buscar a conciliação.
Nesse diapasão, e contrariamente do previsto no § 1º do artigo 267 do Código de Processo Civil, a lei do Juizado privilegia o princípio da celeridade e não dá à parte oportunidade de suprir a inércia, impondo desde logo a extinção do processo.
CONCLUSÃO
O presente trabalho tem o condão de dirimir questões controversas em relação à dispositivos do Código de Processo Civil, bem como expor pontos processuais dos Juizados Especiais, a maioria deles distintos dos realizados na Justiça Comum, em razão dos princípios norteadores, criados com o propósito de buscar uma redução das demandas na Justiça Comum, bem como garantir o amplo acesso a todos os serviços judiciários, de forma simples e célere.
Isto porque para a realização de um trabalho completo sobre os Juizados, seria necessário um estudo aprofundado já que a Lei 9.099/95 apresenta uma série de dispositivos divergentes, porém, coerentes com o procedimento dos Juizados, o que não é objeto deste artigo.
A Lei dos Juizados Especiais dispõe sobre procedimento especial, no entanto, referido dispositivo não pode, simplesmente, violar o princípio do contraditório e da ampla defesa, cabendo a nós operadores do direito, coibir e buscar a solução das demandas sob a égide do ordenamento jurídico vigente.
Fonte: Almeida Advogados
– Guilherme Henrique de Faria