A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou nesta segunda-feira, dia 21 de agosto de 2023, o Parecer de Orientação n° 41/2023, que visa oferecer ao mercado e seus agentes orientações gerais sobre as Sociedades Anônimas de Futebol (“SAF”) e o Mercado de Valores Mobiliários.
A SAF foi introduzida ao ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 14.193, de 6 de agosto de 2021 (“Lei da SAF”) para viabilizar a constituição de Sociedades Por Ações cuja atividade principal seja a prática do futebol profissional. O objetivo da Lei da SAF foi de promover a viabilização de funding e de restruturação das dívidas para os clubes de futebol brasileiros sob forte crise econômico-financeira. Para tanto, a Lei da SAF trouxe ao modelo associativo que imperava no futebol profissional a possibilidade de uma roupagem societária.
É neste sentido que a CVM publicou o referido Parecer de Orientação n° 41, com o propósito de orientar os investidores e os participantes de mercado sobre a utilização dos instrumentos viabilizadores do acesso ao mercado de capitais pela SAF, se antecipando aos esperados movimentos dos clubes brasileiros no mercado.
Dentre os pontos tratados pela autarquia no Parecer de Orientação n° 41, destacamos o objetivo de harmonizar as normas e regras previstas na Lei da SAF, na Lei das Sociedades por Ações e no arcabouço regulatório da própria CVM, de modo a mitigar potenciais dúvidas interpretativas e possibilitar uma coexistência legislativa entre os textos.
Em caráter objetivo, a norma cuidou de endereçar pontos extremamente importantes como a orientação quanto a adoção das normas contábeis aplicáveis ao mercado de valores mobiliários desde a constituição da SAF, a contratação de auditores registrados na CVM para avaliação de ativos e passivos transferidos à SAF à título de contribuição do capital social, assim como a presença de auditores independentes na revisão das demonstrações financeiras, medidas que representam um elemento relevante de contribuição para tomada de decisão dos potenciais investidores.
Outro tema endereçado pela norma se refere a estrutura de equity da SAF, que deverá se atentar a especificidade deste tipo societário no que se refere a obrigatoriedade de emissão de uma classe distinta de ações ordinárias, denominada pela Lei da SAF como “Classe A”, cuja subscrição deve ocorrer apenas pelo clube ou pessoa jurídica originária da SAF, atribuindo a seu detentor direitos e prerrogativas especiais previstos nos parágrafos 3º e 4º do art. 2º da Lei da SAF.
A CVM destaca, ainda, a possibilidade de adoção do voto plural e da espécie de ações preferenciais para composição da estrutura de capital, devendo ser observado, neste caso, as disposições específicas contidas na Lei das Sociedades por Ações.
No que se refere à governança da SAF, o Parecer de Orientação n° 41 reforça e potencializa determinadas previsões já contidas na Lei da SAF. A principal delas refere-se perda do direito de voz e voto ao acionista que detém mais de 10% (dez por cento) das ações votantes de emissão de uma SAF e que, cumulativamente, detenha qualquer participação em outra SAF, independentemente da espécie ou classe de ação.
Em relação à administração da SAF, a proibição ao acionista envolve ainda participações diretas ou indiretas, incluindo-se a formulação de indicações para composição de qualquer órgão administrativo, o que, nos termos do art. 138 da Lei das Sociedades por Ações, inclui a Diretoria e o Conselho de Administração, mas não o Conselho Fiscal. Caso o acionista proibido de votar ou pessoa por ele indicada venha a ser eleita para o Conselho Fiscal, a CVM recomenda especial atenção às regras que tratam dos requisitos e dos impedimentos aplicáveis na eleição, na investidora ou no exercício das funções do Conselho Fiscal.
No tocante às potenciais ofertas públicas de valores mobiliários tradicionais, a CVM consolidou o entendimento de que as SAF deverão seguir o disposto na recém editada Resolução CVM n° 160, que dispõe sobre o novo arcabouço regulatório das ofertas públicas de companhias abertas no Brasil, que dentre outras inovações, trouxe mais dinâmica e celeridade às ofertas, fomentando o desenvolvimento do mercado de capitais nacional.
Por outro lado, a Lei da SAF trouxe uma nova espécie de debênture para emissão exclusiva da SAF, denominadas debêntures-fut. Ao emiti-las, a CVM destaca que a SAF deverá observar às normas próprias contidas nos artigos 26 e seguintes da Lei da SAF, complementando-as nos casos omissos com as disposições previstas na Lei das Sociedades por Ações. Quando ofertadas publicamente, a SAF deverá, ainda, observar as Resoluções CVM n° 77 e 81, ambas de 29 de março de 2022.
Em resumo, a SAF poderá emitir outros valores mobiliários previstos para emissão por sociedades anônimas, inclusive debêntures tradicionais, desde que cumpra os requisitos legais e normativos aplicáveis. Caso a SAF promova a emissão de debênture regida exclusivamente pela Lei das Sociedades por Ações, não se aplicará ao caso daquela emissão, consequentemente, o conteúdo da debênture-fut, previsto na Lei da SAF.
A CVM também destaca a hipótese de utilização do mecanismo de crowdfunding para captação de recursos no mercado de capitais, por se mostrar uma opção menos onerosa do ponto de vista regulatório, não sendo necessário, por exemplo, o prévio registro da oferta na autarquia, de modo que a exigência de registro se restringe à plataforma eletrônica de investimento participativo que deverá ser previamente autorizada pela autarquia.
Embora se trate de uma opção menos custosa, o crowdfunding poderá ser utilizado somente pela SAF que auferir receita bruta anual de até R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) no exercício social anterior ao da oferta, o que restringe tal meio para times brasileiros de menor expressão em termos financeiros. Um exemplo é o Figueirense Futebol Clube S.A.F que, apesar de não ter atingido o valor mínimo de captação, utilizou-se da plataforma de crowdfunding Bloxs para ofertar 5.000 (cinco mil) valores mobiliários de sua emissão.
Outra questão controversa endereçada pela autarquia se refere ao investimento na SAF por Fundos de Investimento. Em suma, a CVM determina que cumpridos os requisitos normativos aplicáveis, as ações de emissão da SAF companhia aberta e admitidas à negociação no mercado organizado poderão ser objeto de investimento por Fundo de Investimento em Ações, espécie do gênero Fundo de Investimento Financeiro – FIF.
No tocante aos demais gêneros de Fundo de Investimento, a CVM oportunamente discorreu sobre as inúmeras opções existentes para que a SAF consiga viabilizar captação de recursos para investimento na própria atividade e em projetos correlatos. À título de exemplo, a autarquia sinaliza a possibilidade da SAF participar da estruturação de operações envolvendo Fundos de Investimento Imobiliário – FII para viabilizar projetos de seu interesse no ramo imobiliário, como a construção ou reforma de estádio ou centro de treinamento, mediante a oferta pública das cotas, com ou sem a aquisição de uma parcela dessas cotas, em conjunto com outros investidores.
Ainda, a SAF também poderá se valer de operações de securitização para fins de obtenção de recursos para suas atividades, de modo que, em tais operações, as sociedades poderão antecipar o recebimento dos direitos creditórios de sua titularidade por meio de sua cessão para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC, acarretando um adiantamento de caixa imediato para investimento no negócio.
Por fim, a CVM destaca o ponto que acreditamos ser o mais crucial da regulação, no que tange a especificidade da SAF quanto à divulgação de informações no contexto das potenciais ofertas públicas. Isto porque, a autarquia prevê que a SAF, diferentemente das demais companhias abertas, tem o potencial único de, a um só tempo, reunir o interesse de investidores do mercado de capitais e torcedores, que eventualmente poderão deixar-se influenciar pela paixão por seu time de coração, afastando a racionalidade da tomada de decisão de investimento.
Em função disso, a CVM orienta as SAF e seus assessores, para que no âmbito de ofertas públicas, dediquem especial atenção à descrição de fatores de risco das ofertas e dos emissores, bem como ao uso nos documentos da oferta de linguagem clara, concisa, objetiva e balanceada na ênfase a informações positivas e negativas, de modo a auxiliar os investidores (e principalmente os torcedores) a formar criteriosamente sua decisão de investimento.
Com relação aos Fatos Relevantes e Comunicados ao Mercado, a CVM se posiciona quanto ao caráter sui generis da atividade empresarial explorada pela SAF e seus desdobramentos midiáticos cotidianos, de modo que a autarquia acertadamente prevê que a SAF e seus administradores não irão precisar se manifestar em reação a qualquer notícia ou boato, sobretudo as produzidas no contexto nitidamente esportivo, sendo necessário tão somente a publicação dos atos e fatos que tenham o condão de influir na cotação dos valores mobiliários, na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter os valores mobiliários ou na decisão dos investidores de exercer os direitos inerentes à condição de acionista da SAF.
Ao nosso ver, o entendimento da CVM converge com a regulação de outras jurisdições que já regulam companhias listadas dedicadas à atividade do futebol, adequando a regulação à particularidade de cada emissor.
Em síntese, acreditamos que o Parecer de Orientação CVM n° 41 é resultado dos esforços da autarquia para promover um ambiente regulatório mais seguro e confiável para os agentes de mercado, além de ser extremamente oportuno para garantir às Sociedades Anônimas de Futebol novos meios de capitalização para o desenvolvimento da indústria futebolística nacional.
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