Tem-se ouvido muito na mídia discussões e espantos acerca do corte do fornecimento de energia elétrica dos consumidores. Na maioria dos casos, o corte é tido como uma afronta aos direitos dos cidadãos, levantando-se sempre a bandeira do Código de Defesa do Consumidor e a continuidade do serviço essencial de energia elétrica. Todavia, muitos defensores de tal causa “altruísta” se esquecem das conseqüências do fornecimento de energia gratuito.
Sim, gratuito, uma vez que os consumidores inadimplentes e os que, de alguma forma alteram o centro de medição de suas casas e estabelecimentos comerciais e industriais se utilizam de energia elétrica e não pagam por ela. Estes fraudadores também são inadimplentes, já que se utilizam de energia elétrica e não pagam o que efetivamente consumiram.
Ora, existe uma contraposição de direitos: não se pode premiar quem deixa de pagar pela energia utilizada, pois, no final, os verdadeiros consumidores que pagam regularmente suas contas acabarão arcando com o ônus de manter o fornecimento de energia elétrica para os inadimplentes.
O Código de Defesa do Consumidor, uma verdadeira revolução do campo jurídico, certamente não foi elaborado para corroborar com a proteção dos devedores que alegam sua incapacidade financeira para justificar o recebimento gratuito de energia elétrica. E os consumidores que trabalham a mais, que fazem e refazem suas contas mês a mês para quitar em dia suas obrigações? Obviamente que o CDC, carinhosamente chamado pelos juristas de plantão, não visa a proteger os devedores contumazes, mas os cumpridores de suas obrigações.
Em específico, o artigo 22 do CDC, que versa sobre a obrigatoriedade do fornecimento de serviços essenciais de forma contínua, não é fundamento para inadimplência. Admitir a continuidade de prestação de serviço aos usuários fraudadores é incentivar a ilicitude e a má-fé. O corte do fornecimento de energia elétrica em decorrência de inadimplência e, entenda-se inadimplência também dos fraudadores que se utilizam de energia elétrica e não pagam por ela, não caracteriza como descontinuidade do serviço, e ainda ouso dizer que é uma medida de interesse da coletividade.
O conceito de continuidade da prestação de serviço público, em especial de energia elétrica, só deve valer se houve a contrapartida do usuário através do pagamento da energia utilizada. Interrompida a obrigação do usuário, a continuidade do fornecimento de energia elétrica também pode ser interrompida, devendo-se aplicar o estabelecido na Lei n. 8.987/95, artigo 6º, bem como o artigo 91 Resolução 456/00 da ANEEL que prevêem a suspensão do fornecimento de energia elétrica.
Ressalte-se ainda que a suspensão do fornecimento de energia elétrica não é feita de forma arbitrária ou displicente: o corte é previsto e condicionado na ampla legislação vigente. A própria Lei que instituiu a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – também prevê o corte do fornecimento de energia elétrica.
Retomando o pensamento de que inexistindo a contraprestação pelo usuário, o corte do fornecimento de energia elétrica é inevitável, mais algumas considerações merecem atenção. A tarifa de energia elétrica é fixada para o pagamento dos serviços prestados. Remunera-se o serviço do próprio cidadão, isto é, “aqueles que visam a dar comodidade aos usuários ou a satisfazê-los em suas necessidades pessoais (telefone, energia elétrica, transportes, etc.), ao passo que a taxa é adequada para o custeio dos serviços pró-comunidade, ou seja, aqueles que se destinam a atender exigências específicas da coletividade (água potável, esgoto, segurança pública, etc), e por isso mesmo, devem ser prestados em caráter compulsórios e independentemente de solicitação dos contribuintes. Todo serviço público ou de utilidade pública não essencial à comunidade, mas de interesse de determinadas pessoas ou de certos grupos, deve ser prestado facultativamente, e remunerado por tarifa, para que beneficiem e onerem, unicamente, aqueles que efetivamente o utilizam.” [1]
Assim, aproveitando-me dos ensinamentos de um mestre jurista, inexistindo a contraprestação do serviço, o corte no fornecimento de energia elétrica para os usuários inadimplentes é interesse da coletividade e merecem um enfoque diferente do despendido pelos meios de comunicação.
——————————————————————————- – [1] Meireles, Hely Lopes – Direito Municipal Brasileiro, 3ª Edição, RT página 198).
Fonte: Almeida Advogados