Autor: André de Almeida
Sempre estivemos cientes que sofreria obstáculos a tentativa dos investidores, que adquiriram títulos da Petrobras no Brasil, em obter justa indenização, a exemplo daqueles que o fizeram no exterior e agora serão beneficiados por um acordo de cerca de 3 bilhões de dólares.
Obstáculos inclusive de natureza processual, uma vez que nossa legislação não é tão desenvolvida no tocante a proteção de interesses dos acionistas minoritários, os quais, nos países com a tradição da common law, são eficientemente protegidos pelo instituto da class action.
No âmbito da ação civil pública ajuizada pelo Almeida Advogados, representando a Associação AIDMIN (Associação dos Investidores Minoritários), a União, usando-se da prerrogativa prevista no art. 5o da Lei no 9.469/97, requereu sua intervenção no processo.
Tal faculdade, denominada intervenção anômala, pode ter como consequência, no futuro, o deslocamento da competência para o julgamento da causa, em sede de recurso, para a Justiça Federal, pode ocorrer independentemente da demonstração de interesse jurídico.
A palavra anômala, utilizada pela doutrina para descrever o instituto é definida pelos dicionários como “característica de algo irregular ou fora do comum, qualidade daquilo que se opõe à ordem natural das coisas”, reflete bem nosso entendimento sobre tal inovação processual que, ao que parece, vem a ser unicamente brasileira, assim como a jabuticaba.
No caso da União, a jurisprudência dominante, em particular do Superior Tribunal de Justiça, contudo, tem se firmado no sentido de que compete à Justiça Federal deferir ou não a intervenção, cabendo o deslocamento de competência somente em casos nos quais seja efetivamente demonstrado o legítimo interesse jurídico na demanda por parte daquele ente.
Contudo, vamos além.
Ordinariamente, as ações face à Petrobras, como todas aquelas que envolvem empresas públicas de economia mista, tramitam perante a Justiça Comum Estadual, não estando abrangidas na competência da Justiça Federal, explicitamente delimitada no artigo 109 da Constituição Federal.
Ocorre que tal intervenção anômala, que não se confunde com a assistência ou qualquer outra forma de intervenção de terceiros no processo, sendo apenas uma forma ilegítima de prerrogativa processual que não encontra qualquer justificativa racional.
Em assim sendo, em particular nos casos envolvendo a União, a intervenção anômala tem o efeito de alterar, ao bel prazer da pessoa de direito público interessada, a competência para o julgamento da causa, ferindo frontalmente o principio do juiz natural, garantia constitucional prevista no Art. 5º. LIII, da Constituição Federal, que determina que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
A permissão de que uma determinada pessoa de direito público possa, sem demonstrar qualquer interesse jurídico na causa, alterar a competência para o julgamento da mesma quer nos parecer, a despeito da má técnica processual, uma burla das regras objetivas de competência que garantem a independência e imparcialidade do julgador.
Tal como as regras que garante o foro privilegiado para algumas autoridades públicas em padrões que vão muito além dos normalmente aceitos em outras nações civilizadas (as quais vem sido duramente criticadas pela sociedade civil), esta verdadeira artimanha processual também insere no ordenamento jurídico uma prerrogativa injusta e deve ser rechaçada como inconstitucional pelo Poder Judiciário.
Nossa história tem demonstrado que as jabuticabas processuais, no mais das vezes, têm sido muito indigestas.