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Artigos 16/11/2006

Direito de Imagem e sua Aplicabilidade Frente aos Ditames Constitucionais da Privacidade de do Direito de Informação

Nos dias atuais onde os fatos e acontecimentos públicos tornam-se acessíveis quase que instantaneamente a população através dos mais variados meios de comunicação, em especial, da rede mundial que compõe a internet, o direito de informação, aliado a liberdade de imprensa, se torna especialmente polêmico quando confrontado com os direitos individuais.

Tanto o direito a informação como os direitos à intimidade e à vida privada são direitos e valores que encontram suas previsões originárias e limites na própria Constituição Federal.

Desta forma, no meio jurídico, quando se está diante de questões deste tipo, em que há um conflito de premissas constitucionais a serem aplicadas em um mesmo caso onde a questão não é regulamentada através de limites claros e positivados, busca-se utilizar a proporcionalidade e a razoabilidade, para evitar que um direito constitucional se sobreponha a outro.

1. O direito de imagem

A personalidade é um atributo inerente ao ser humano e destina-se a conferir individualidade a cada cidadão, distinguindo-o dos demais. Sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se direitos considerados essenciais à pessoa humana, tal como o nome, a privacidade, a vida, a moral, a liberdade, e aquele que, por hora será objeto de análise específica, à imagem; todos eles assentados na cláusula geral protetiva da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da Constituição Federal).

A intimidade e a privacidade são considerados no Direito Civil brasileiro como direitos da personalidade e, segundo a nossa Constituição como um direito fundamental.

A questão da privacidade, incluindo em seu bojo todo o conjunto de direitos a ela inerentes, está prevista no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal onde “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, e na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo XII que dispõe “ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques” e aqui, vale destacar, a doutrina especializada já deixa claro que o conceito de vida privada se estende, também, para as relações estabelecidas no âmbito virtual.

Vale lembrar que os direitos da personalidade são absolutos porque oponíveis a todos os demais membros do corpo social, de forma erga omnes; irrenunciáveis porque vinculados de forma intrínseca à pessoa de seu titular; intransmissíveis porque impossível sua cessão, seja a título gratuito ou oneroso; imprescritíveis porque sempre se poderá invocá-los, não importando o decurso do tempo e, como regra geral, os direitos da personalidade são extrapatrimoniais porque não admitem avaliação pecuniária, estando fora do patrimônio econômico.

Traçadas as primeiras considerações, neste momento, cabe fazer destaque ao direito de imagem que, embora inegavelmente componha o conjunto de direitos da personalidade, traz em si, como característica peculiar, a possibilidade de disponibilidade pelo seu titular que, com relação a esse direito, assume dimensões de relevo, em função da prática consagrada do uso da imagem humana em publicidade e na divulgação de informações, neste último caso utilizada, por vezes, de forma não autorizada ou contrária ao interesse público e, em virtude disto, torna-se objeto de conflitos.

O direito à imagem antes do Código Civil de 2002, que agora prevê um Capítulo específico destinado a tutela dos direitos da personalidade, era protegido graças ao empenho de doutrinadores que sempre defenderam o conceito de resguardo da intimidade e da imagem retrato, ainda que em se cuidando de pessoas famosas, como artistas, que, igualmente, não merecem testemunhar agressões de sua imagem em revistas, textos e ilustrações de caráter, exemplificativamente, indecorosos (“Os Direitos da Personalidade”, 2ª edição, Forense Universitária, 1995).

Historicamente, o direito de imagem é um direito novo, que nasceu e tem se desenvolvido na sociedade capitalista contemporânea, alcançando posição de relevo no âmbito dos direitos da personalidade graças ao extraordinário progresso das comunicações e à importância que a imagem adquiriu no contexto publicitário causando uma grande exposição, sobretudo de pessoas que obtiveram destaque em suas atividades e gerando, consequentemente, a possibilidade de agregação de um valor econômico expressivo à imagem utilizada.

A imagem, como atributo da personalidade e direito essencial do homem, confere, com maior força, caráter individual ao ser humano e compõe-se dos caracteres próprios de cada indivíduo que o distingue dos demais pelo efeito visual sendo que seu conceito abrange aspectos físicos (como traços fisionômicos, corpo, atitudes, gestos, sorrisos, indumentárias) e morais (exemplificativamente: aura, fama e reputação).

Não pode o titular privar-se da sua própria imagem, mas dela pode dispor para tirar proveito econômico. Esta característica fundamental do direito à imagem implica em uma série de conseqüências no mundo jurídico, pois quando é utilizada a imagem alheia sem o consentimento do interessado, ou quando se ultrapassa os limites do que foi autorizado, ocorre uma violação ao direito à imagem capaz de gerar uma pretensão indenizatória.

Dentro deste contexto, o direito de imagem tende a ganhar notória importância. A imagem de uma pessoa, seja ela física ou jurídica, nos dias atuais muitas vezes é utilizada como sinônimo de dinheiro e poder e a contínua evolução dos meios de comunicação desafiam novas formas de exploração do direito de imagem, por vezes agredindo a privacidade e a honra do indivíduo e acarretando, aparentemente, um conflito de direitos legalmente tutelados onde a linha tênue da subjetividade passa a assumir um maior papel na solução de conflitos.

2. O direito de informação

Com a constante e rápida evolução dos meios e formas de comunicação a aplicabilidade, interpretação e aplicação do direito também sofrem mudanças objetivando atender aos anseios da sociedade moderna Daí a necessidade de estudo sobre os limites do direito de informar, principalmente, diante da enorme relevância da questão nos conflitos que esses direitos geram, entre a ânsia informativa e, em não em última análise, lucrativa, e os interesses individuais, em especial da privacidade e do resguardo da imagem, dos envolvidos.

Atualmente, os operadores dos instrumentos jurídicos, ao analisaram os meios de comunicação de forma geral, indiscutivelmente realizam a reflexão até que ponto as informações e opiniões publicadas afetam as pessoas na sua imagem e direitos, sempre pautando-se pelos limites constitucionais e legais do direito-dever de informar.

A questão que se coloca, porém, é que aqueles que podem fazer uso da informação muitas vezes o fazem de modo irregular ou irresponsável. Nestes casos, a complexidade do tema e a determinação dos limites dos direitos dos envolvidos vai além do que se costuma imaginar e, de fato, exige melhor avaliação em busca da solução justa.

Como já visto a intimidade e a privacidade são considerados como direitos da personalidade e, em nossa Constituição, como um direito fundamental. No referente à liberdade de informação, o doutrinador Alexandre de Moraes (Direitos Humanos Fundamentais, 5º ed. São Paulo, Atlas S.A, 2003) afirma que “o direito de receber informações verdadeiras é um direito de liberdade e caracteriza-se essencialmente por estar dirigido a todos os cidadãos, independentemente de raça, credo ou convicção político-filosófica, com a finalidade de fornecimento de subsídios para a formação de convicções relativas a assuntos públicos”.

O direito de informar e de receber informação assegura a qualquer pessoa seu direito de expressar livremente seus pensamentos e idéias, mas assegura também a integridade da imagem física, moral e intelectual (direito da personalidade) do indivíduo, salvaguardando-o de explorações outras, menores, publicitárias, propagandísticas, comerciais e políticas, que objetivam apenas lucros diretos ou indiretos, sejam eles econômicos e políticos sem qualquer fim ou interesse social.

Assim, a discussão entre a proteção da imagem, da vida, da honra e da privacidade das pessoas e a liberdade plena de manifestação do pensamento e de crítica — o direito-dever de informar —, onde o segundo não pode violar ou anular o primeiro e reciprocamente, demonstra um direito constitucional limitando o outro. O problema central é saber determinar o ponto onde opera essa limitação.

Este ponto é capaz de gerar acaloradas discussões doutrinárias e jurisprudenciais onde, de um lado, defende-se que os direitos da personalidade ocupam um lugar privilegiado em eventual colisão com demais direitos constitucionais, já que estes seriam supralegais e hierarquicamente superiores aos outros direitos, mesmo em relação aos direitos fundamentais que não sejam direitos da personalidade, como, por exemplo, o direito de imprensa/informação, que não se insere entre os direitos da personalidade.

E, para outros, o exercício regular de um direito alija ilicitudes. Ou seja, apenas tornará abusivo o exercício de um direito quando executado de forma contrária à boa-fé e aos bons costumes, pois a liberdade pública não pode prestar-se a tutelar condutas ilícitas. Esta linha de pensamento, no entanto, sofre duras críticas já que, pondera-se, nem toda informação sobre a vida privada pode ser considerada ilícita e porque existe uma linha tênue entre o que pode ou não ser informado, inexistindo legislação específica sobre o tema.

De grande valia, portanto, a interpretação da primazia do interesse público sobre o segredo privado. De forma geral, pode-se dizer que o interesse pela notícia é público (coletividade) e os direitos da personalidade interessam ao seu titular, normalmente uma pessoa. O direito-dever da informação pertence à sociedade como um todo. Vale lembrar que o benefício coletivo tem particular força quando revela atos da ação governamental em geral e principalmente nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, impondo o cumprimento da transparência.

Em termos práticos e buscando a aplicação do princípio que melhor atenderia os interesses envolvidos afirma a doutrina que, na dúvida sobre o direito preponderante, “o privilégio sempre há de ser da vida privada. Isso por uma razão óbvia: esse direito, se lesado, jamais poderá ser recomposto em forma específica: ao contrário, o exercício do direito à informação sempre será possível a posteriore, ainda que, então, a notícia não tenha mais o mesmo impacto” (Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória da vida privada, RT, 2000, p. 95).

Um último ponto que merece destaque quando se analisa o direito de informação frente ao direito de imagem é aquele que diz respeito à divulgação de eventos públicos (como festas populares e jogos esportivos), onde a pessoa não poderá se opor, por exemplo, que sua imagem-retrato seja incluída como parte de um cenário público, como quando é fotografada participando de um evento público, desde que, sua imagem não seja destacada com insistência, pois o objeto da licença é o de divulgar uma cena em que a imagem da pessoa seja parte integrante (secundária) e não o contrário.

3. Conclusão

Não há dúvida que a imprensa, no exercício amplo do direito de informação, contribui para a consolidação de uma democracia na medida em que atua com responsabilidade, cobrando a observância dos princípios democráticos, divulgando informação correta e imparcial, fiscalizando a atuação dos setores público e privado, denunciando irregularidades e oferecendo oportunidade para defesa.

Da mesma forma, em uma sociedade democrática, a administração da Justiça não pode crescer na escuridão e as decisões judiciais não podem ser secretas, sendo esta mais uma das nuances da aplicabilidade de tal direito.

Neste contexto é que o direito de informação torna-se pleno já que se presta a cumprir funções de cidadania e desenvolvimento social e, quando preenchido estes requisitos, deve prevalecer.

E é exatamente neste ponto que a doutrina e jurisprudência brasileira, embora ainda dividida, inclina-se mais fortemente a entender que quando não há motivo público que justifique a publicação ou a continuidade da divulgação de determinada informação ou imagem (direito de informação) em esta causando interferência na esfera privada de determinado ser humano ou em agressão a sua imagem (direito de imagem) esta deva cessar, em detrimento e em respeito ao direito individual.

Vale ressaltar que o direito à imagem sofre, não se discute, temperamentos. Não é absoluto, embora de cunho potestativo (somente o titular poderá dele dispor, mediante consentimento) e, por isso, cede muitas vezes e de forma justificada frente ao interesse público preponderante. Por isso, a busca de decisões mais justas e o efetivo respeito aos direitos em questão deverá voltar-se não apenas para o plano da análise da colisão dos direitos, da ilicitude e do postulado da proporcionalidade para a solução de casos concretos, mas também objetivando o encontro de um limite, considerando as necessidades sociais e o interesse público, aplicáveis ao caso particular.

No entanto, no meio jurídico, quando se está diante de questões deste tipo, em que há um conflito de premissas constitucionais a serem aplicadas em um mesmo caso, a solução obrigatoriamente passa pela utilização da proporcionalidade e a razoabilidade, para evitar que um direito constitucional se sobreponha a outro, mas em não havendo legislação específica e em vista do leque de possibilidades de situações e formas que podem fundamentadamente ser juridicamente questionadas e impugnadas, a aplicação da subjetividade interpretativa continuará a dar ensejo para acaloradas discussões jurídicas.

Fonte: Almeida Advogados
Andréa Seco

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