A Lei nº 11.051, de 30 de dezembro de 2004 (“Lei 11.051”), revitalizou as disposições contidas no artigo 32 da Lei nº 4.357, de 16 de julho de 1964 (“Lei 4.357”), há muito esquecido pelo Governo Federal. Tal diploma legal estabelece restrições à distribuição de lucros por pessoas jurídicas em débito não garantido com a União e com as suas Autarquias de Previdência e Assistência Social. Muitos juristas alegam que tal determinação legal não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, razão pela qual não poderia ser “revitalizada”, entretanto tal discussão deverá ser encerrada nos tribunais.
O caput do artigo 32 da Lei 4.357 estabelece que “as pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de imposto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão: a) distribuir quaisquer bonificações a seus acionistas; e b) dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos[1]”. Ocorre que o dispositivo legal supra citado, não estabelecia o quantum da multa aplicável pelo descumprimento da norma. A Lei 11.051 o fez, estabelecendo que a distribuição de bonificações ou participação nos lucros, por empresas em débito com a Fazenda Nacional ou com o Instituto Nacional de Seguridade Social importarão na aplicação de multa em montante igual 50% (cinqüenta por cento) das quantias distribuídas ou pagas[2], limitando-se o valor da multa a 50% (cinqüenta por cento) do valor total do débito não garantido da pessoa jurídica. O primeiro ponto que deve ser analisado é se tal dispositivo aplica-se à distribuição de dividendos, uma vez que tal expressão foi vetada no texto original da Lei 4.357. Apesar de aludido veto, entendemos que tal dispositivo aplica-se sim à distribuição de dividendos, uma vez que trata da participação nos lucros para os sócios, o que nada mais é do que o pagamento de dividendos. A grande questão que as sociedades terão que enfrentar é que a Lei das Sociedades Anônimas[3] estabelece que a sociedade não poderá deliberar que o dividendo obrigatório será inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado. Nesse sentido, qual norma deve prevalecer: a lei tributária que restringe a distribuição de lucros ou a lei societária que obriga a distribuição, mínima, de 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado? A lei tributária trouxe uma exceção à norma de direito privado, razão pela qual deve-se preservar o interesse público, prevalecendo o mesmo sobre o interesse privado, tendo em vista que “a primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral[4]”. Outro ponto de grande discussão é o significado da expressão “débito não garantido”, bem como qual será a interpretação que a Secretaria da Receita Federal e o Instituto Nacional de Seguridade Social darão para tal expressão; serão débitos não garantidos os lançamentos no “conta-corrente”, os autos de infração, as execuções fiscais sem garantia ou até a liminares sem depósito judicial? Nesse sentido, considerando-se a finalidade da norma, entendemos que não podem ser considerados débitos não garantidos os valores cuja exigibilidade esteja suspensa nos termos do Código Tributário Nacional (“CTN”)[5], em especial nas hipóteses de (i) reclamações e recursos administrativos; e de (ii) concessão de medida liminar em mandado de segurança. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede que a Fazenda adote qualquer procedimento de cobrança ou oposição do montante supostamente devido pelo contribuinte. Assim sendo, restará afastado o inadimplemento do sujeito passivo da obrigação tributário, passando o mesmo a ser considerado em situação regular. Ora, se para os efeitos tributários o contribuinte encontra-se em situação regular para com a Fazenda, não deve o mesmo sofrer qualquer restrição de direito, tais como a expedição de certidões, inscrição no SERASA e a restrição de distribuição de dividendos, pagamento de bônus ou a participação nos lucros. A grande expectativa é de que a Secretaria da Receita Federal e o Instituto Nacional de Seguridade Social considerem como “débito não garantido” os débitos em atraso ou aqueles valores sem a exigibilidade suspensa. A Secretaria da Receita Federal não pronunciou entendimento quanto à aplicação da referida disposição legal, assim como os Tribunais Superiores, razão pela qual os Contribuintes estão expostos à interpretação ampla dos agentes fiscais, os quais poderão autuar as pessoas jurídicas, restando às empresas, mais uma vez, defender-se das determinações abusivas e vagas da legislação federal. ——————————————————————————- – [1] Caput do Artigo 32 da Lei 4.357 [2] Art 32. As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de imposto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão: a) distribuir (VETADO) quaisquer bonificações a seus acionistas; b) dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos; c) (VETADO). § 1o A inobservância do disposto neste artigo importa em multa que será imposta: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004) I – às pessoas jurídicas que distribuírem ou pagarem bonificações ou remunerações, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) das quantias distribuídas ou pagas indevidamente; e (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004) II – aos diretores e demais membros da administração superior que receberem as importâncias indevidas, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) dessas importâncias. (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004) § 2o A multa referida nos incisos I e II do § 1o deste artigo fica limitada, respectivamente, a 50% (cinqüenta por cento) do valor total do débito não garantido da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004) [3] Lei nº 6.404/1964 alterada pela Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001. [4] Meirelles, Hely Lopes. “Direito Administrativo Brasileiro”.p. 101, 29ª Edição. 2004. [5] Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lei Complementar nº 104, de 10.1.2001) VI – o parcelamento. (Incluído pela Lei Complementar nº 104, de 10.1.2001) |
Fonte: Almeida Advogados |