O Brasil vem firmemente atuando como país pioneiro no uso da tecnologia da informação aplicadas às suas ações de Estado (o chamado e-government), sendo que o arrojo do país no uso da tecnologia da informação em suas comunicações e ações públicas trouxeram grande benefício a toda sociedade.
O objetivo do presente artigo é narrar brevemente três das mais bem sucedidas experiências nacionais no uso da tecnologia da informação, e principalmente, descrever o arcabouço jurídico-intitucional que foi necessário implementar tais ações, sendo elas: (i) o e-procurement, (ii) a urna eletrônica, e o (iii) o sistema eletrônico de declaração de imposto de renda. Como todo processo de implementação de políticas públicas inovadoras, o desenvolvimento do e-procurement, da urna eletrônica, e do sistema eletrônico de declaração de imposto de renda necessitou de adequação de legislação existente e da criação de novas normas.
E-Procurement
Dentre as experiências de sucesso do Brasil no campo do e-government insere-se o chamado e-procurement, que pode ser entendido como a aquisição de bens e serviços por meio da Internet, ou ainda, “a automatização do procedimento de compras de uma pessoa jurídica de direito privado ou público, seja para consumo próprio ou de matéria-prima necessária para a execução de suas atividades e funções”.[1]
O e-procurement é, sinteticamente, uma forma eletrônica de se fazer algo que há muito já é feito pela sociedade. Basicamente o que se permite é a aquisição, pelo Estado, de bens e serviços comuns, valendo-se da tecnologia para permitir que o comprador, Estado, possibilite que diversos interessados em vender bens ou prestar serviços, entes privados, possam, eletronicamente, ofertar seus bens ou serviços, cabendo ao Estado a escolha pelo menor preço.
O governo brasileiro aderiu ao chamado e-procurement, por meio da edição da Medida Provisória 2.026-0, de 28 de julho de 2000[2] regulamentada pelo Decreto nº 3.555, de 08 de agosto de 2000, que instituiu o Regulamento para a modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, o qual inclusive poderia ser realizado por meio da utilização de recursos de tecnologia da informação, nos termos de regulamentação específica.
Posteriormente, foi promulgado o Decreto nº 3.697, de 21 de dezembro de 2000, que estabeleceu normas e procedimentos para a realização de licitações na modalidade de pregão, instituído pela na Medida Provisória nº 2.026-7, de 23 de novembro de 2000[3], por meio da utilização de recursos de tecnologia da informação, denominado pregão eletrônico, destinado à aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito da União.
O e-procurement foi exteriorizado na forma do sítio (“site”) da internet denominado “Comprasnet”, considerado portal de compras do Governo Federal, criado no ano de 2001. O Comprasnet possibilita a integração dos órgãos ligados à administração direta do Governo aos fornecedores da União, tornando viável a aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito do Governo Federal, por meio do denominado pregão eletrônico.
O Decreto nº 3.697, de 21 de dezembro de 2000, determinou que o edital da licitação de certas compras públicas poderá avisar a sociedade que a licitação se dará por meio eletrônico[4], sendo que o credenciamento para o pregão dá-se pela atribuição de chave de identificação e senha, pessoal e intransferível, para acesso ao sistema eletrônico[5].
Em tais casos, durante o transcurso do pregão eletrônico, os licitantes devem oferecer lances sucessivos e sempre inferiores a, inicialmente, o valor mínimo descrito no edital e, após, inferiores ao lance imediatamente anterior[6]. Interessante notar que durante o transcurso da sessão pública, os licitantes são informados, em tempo real, do valor do menor lance registrado que tenha sido apresentado pelos demais licitantes, sendo omitido, contudo, a identificação do detentor do lance[7]. Finalmente, a indicação do lance vencedor e a classificação dos lances apresentados devem constar em ata divulgada pelo próprio sistema eletrônico ao final do certame[8].
Cumpre também ressaltar que, com propriedade, o Decreto nº 3.697, estabeleceu que os procedimentos para interposição de recurso, bem como o encaminhamento de memorial e de eventuais contra-razões pelos demais licitantes devem ser realizados no âmbito do sistema eletrônico[9].
Voto Eletrônico
O voto eletrônico, por meio da urna eletrônica, testado, no Brasil, no ano de 1996, e definitivamente implantado como mecanismo de exercício da democracia a partir de 1998, representa outro exemplo de sucesso entre as iniciativas do governo eletrônico. O voto eletrônico, da forma que a tecnologia foi desenvolvida no Brasil, permitiu que todos os eleitores do país, um universo de mais de 100 milhões de pessoas[10], distribuídos por 27 Estados em uma área geográfica equivalente a mais de 8 milhões de Km2, munidos de sua identificação eleitoral e pressionando simples comandos na tela de um computador, votassem um a um em seus candidatos, livrando o país das árduas, demoradas e, algumas vezes, suspeitas contagens de votos.
O governo brasileiro foi pioneiro na informatização do mecanismo de exercício do sufrágio, sistema que veio por atrair o interesse dos demais governos mundiais para essa inédita empreitada no campo do e-government, tendo-se em vista a série de vantagens oferecidas pela técnica.
O voto eletrônico foi previsto e regulamentado pouco mais de um ano antes das eleições gerais de 1996, por meio da Lei nº 9.100, de 29 de setembro de 1995, que estabeleceu que “o Tribunal Superior Eleitoral poderá autorizar os Tribunais Regionais a utilizar, em uma ou mais Zonas Eleitorais, o sistema eletrônico de votação e apuração”[11].
Ao contrário do e-procurment, que para sua implantação necessitou de sofisticada construção legislativa, o arcabouço jurídico necessário para a implantação da urna eletrônica foi simples, contido no corpo de lei geral, que previa a possibilidade de os partidos políticos fiscalizarem todos o processo de preparação e manuseio das urnas bem como contagem de votos[12].
Como forma de garantir a lisura e aumentar a transparência do funcionamento da urna eletrônica, a Lei nº 9.100, previu que os programas de computador utilizados nas urnas eletrônicas para o processo de votação e apuração deveriam ser apresentados para análise prévia dos partidos políticos[13].
Finalmente, em virtude da inovação do uso de urnas eletrônicas e face à obscuridade da legislação penal aos ilícitos praticados em violação a Lei nº 9.100, esta houve por bem definir como crime punível com reclusão de cinco a dez anos, atos que visem acessar, apagar, destruir, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dados usados pelo serviço eleitoral[14].
Sistema Eletrônico de Declaração de Imposto de Renda
Destaca-se, enfim, dentre as ações públicas que mais se destacaram no e-government Brasileiro a implantação, em 1997, do programa denominado “Receitanet”, ou seja, o programa que operacionaliza a entrega, e a remessa aos computadores da Receita Federal, das declarações de imposto de renda dos contribuintes por meio eletrônico, via internet.
O sucesso dessa empreitada pode ser verificado nos números. De fato, de acordo com dados da Secretaria da Receita Federal, foram enviadas pela internet 14,8 milhões de declarações em 2002, de um total de 16,5 milhões, ou seja, o equivalente às declarações de 89% do total de contribuintes. Em 2003, estima-se que 93% das declarações brasileiras foram entregues por meio digital.
A base legal para a entrega de declarações pela internet encontra-se, prevista na Lei nº 9250, de 26 de dezembro de 1995, que prevê que toda pessoa natural deve, de acordo com as regras tributárias nacionais, apurar o imposto a pagar ou o saldo a ser restituído, apresentando, até o último dia útil do mês de abril do ano-calendário subseqüente, declaração de rendimentos à Secretaria da Recita Federal[15].
No mesmo sentido, o artigo 796, do Decreto nº 3000, de 26 de março de 1999, prevê a possibilidade de apresentação da declaração de rendimentos através de meios magnéticos, por meio de transmissão de dados, na forma autorizada pela Secretaria da Receita Federal[16]. Nesse sentido, anualmente, a Secretaria da Receita Federal emite instruções normativas estabelecendo a forma de apresentação das declarações de rendimentos (IR) pela internet.
Conclusão Criativas, inovadoras, auto-determinantes, e bem sucedidas, as três citadas experiências constituem-se em marcos políticos e tecnológicos brasileiros, fruto de altivas ações públicas que alteraram a sociedade brasileira para melhor, incentivaram o desenvolvimento da tecnologia nacional, e promoveram a inclusão digital.
Os principais objetivos do e-government devem ser a melhoria dos serviços públicos, a garantia do bom uso da verba estatal, e a possibilidade de acesso universal aos atos do Estado. Adicionalmente, ao criar mecanismos de e-government, o poder público incentiva a indústria da tecnologia da informação a desenvolver hardware, software, aplicativos e a prestar de serviços que permitam a implantação eficaz de tais sistemas.
Como demonstrado, a condução de um processo de e-government implica na adequação da legislação existente, que poderá ser mais ou menos árdua. Em todos os casos, o Direito, como ciência social, de cunho nitidamente político, sempre aguardará os movimentos políticos e sociais para a eles se adequar.
——————————————————————————- – [1] Gouvêa, Sandra. “Os aspectos jurídicos do e-procuremnt”. Artigo publicado no jornal Valor Econômico, edição de 12,13 e 14 de setembro de 2003, p. E2.
[2] Posteriormente convertida na Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002.
[3] Reedição da Medida Provisória 2.026-0, de 28 de julho de 2000, convertida na Lei nº 10.520 de 17 de julho de 2002.
[4] Decreto nº 3.697, Art. 7o, inciso I.
[5] Decreto nº 3.697, Art. 3o, parágrafo 1o.
[6] Decreto nº 3.697, Art. 7o, inciso IX e X.
[7] Decreto nº 3.697, Art. 7o, inciso XII.
[8] Decreto nº 3.697, Art. 7o, inciso XXII.
[9] Decreto nº 3.697, Art. 7o, inciso XIX. [10] Eleitorado – Eleições 2002. Informação extraído do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), www.tse.gov.br.
[11] Lei nº 9.100, Art. 18.
[12] Lei nº 9.100, Art. 19, parágrafo único e Art. 25.
[13] Lei nº 9.100, Art. 20.
[14] Lei nº 9.100, Art. 67, VII e VIII.
[15] Lei nº 9250, Artigo 7o.
[16] Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, artigo 796: “A declaração de rendimentos poderá ser apresentada através de meios magnéticos, por meio de transmissão de dados ou por telefone, na forma autorizada pela Secretaria da Receita Federal.”
Fonte: Almeida Advogados