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Artigos 25/08/2022

A (ir)retroatividade da nova Lei de Improbidade Administrativa

*Henrique Carmona e Larissa Santos Morais

Em 25 de outubro de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.230, que trouxe consideráveis mudanças no texto original da Lei de Improbidade Administrativa – LIA (nº 8.429/1992), a qual define os atos caracterizadores da improbidade e dispõe sobre as sanções aplicáveis à sua prática. Tais alterações buscaram empenhar o foco das sanções nos atos efetivamente graves, dolosos e de má-fé, de modo a garantir segurança jurídica ao administrador público no desempenho de suas funções.

Dentre as inúmeras inovações trazidas, destaca-se: (i) a exigência de dolo para responsabilização por improbidade; (ii) a inserção da promoção pessoal e do nepotismo como novos tipos de improbidade; (iii) a fixação do rol taxativo do art. 11, que dispõe especificamente – e não mais de modo exemplificativo – dos casos que caracterizam o ato improbo; (iv) a modificação no prazo prescricional (geral) para aplicação das sanções, que passou a ser de oito anos, a partir da ocorrência do fatohavendo hipóteses de suspensão e interrupção deste prazo; (v) inclusão do prazo prescricional intercorrente de quatro anos; (vi) a titularidade exclusiva do Ministério Público para propor a ação; e (vii) o prazo para condução do Inquérito Civil, que passa a ter duração de 1 ano, podendo ser prorrogado uma única vez.

As alterações foram consideradas mais benéficas aos investigados especialmente por duas razões. Em primeiro lugar, só haverá punição para pessoas que tenham causado prejuízo à administração pública quando tinham a intenção de fazer isso, excluindo-se os atos culposos, realizados com imprudência, imperícia ou negligência. Ademais, antes não existia prazo prescricional intercorrente para as ações de improbidade. Agora, incidirá a prescrição intercorrente da pretensão sancionatória em quatro anos, contados entre os marcos de interrupção da prescrição geral – ou seja, entre o ajuizamento e a sentença, ou entre a sentença e a publicação de decisão ou acórdão de tribunal –, estabelecendo-se assim um limite temporal para o julgamento das ações, em observância ao princípio da duração razoável do processo.

Este cenário mais favorável acendeu um enorme debate acerca da aplicação da nova LIA no tempo. De modo a colocar um fim à controvérsia, em 24.02.2022 o Supremo Tribunal Federal selecionou como Leading Case o ARE 843989[1], de modo a definir eventual (ir)retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, “em especial, em relação: (i) A necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (ii) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.”

Ao fixar a temática de repercussão geral, o Ministro Relator Alexandre de Morais destacou ser o tema controvertido de suma importância para o cenário político, social e jurídico. Ante a isso, em julgamento bastante aguardado, finalizado no dia 18 de agosto 2022, os ministros do STF fixaram as seguintes teses:

“1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;
4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei” (g.n.)

Em resumo, no que se refere à revogação da modalidade culposa do ato ilícito pela nova Lei 14.230/2021, a LIA não deve retroagir para os casos em que já existe uma condenação transitada em julgada, visto que a nova lei não visou trazer uma anistia geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da legislação, foram condenados pela forma culposa. Contudo, as novas disposições da LIA introduzidas em 2021 podem retroceder para ações ainda em curso que discutam o ato não doloso, ainda que ajuizadas antes da vigência da nova lei, ante a impossibilidade de se sentenciar com base em legislação revogada.

Quanto a isso, conforme destacou o Ministro Relator em seu voto, é importante “deixar claro que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa não afasta a possibilidade de responsabilização do agente por atos ilícitos administrativos e suas respectivas sanções, bem como pelo eventual ressarcimento ao erário”.

Com relação à edição da prescrição geral e inclusão da intercorrente, referente a inércia do próprio Estado na pretensão de apuração dos atos de improbidade administrativa, os Ministros entenderam pela irretroatividade em qualquer cenário, valendo as novas disposições para atos praticados a partir de 25 de outubro de 2021 – vigência da lei.

De modo a embasar tal posicionamento, Moraes destacou que “a inércia nunca poderá ser caracterizada por uma lei futura que, diminuindo os prazos prescricionais, passe a exigir o impossível, ou seja, que, retroativamente o poder público – que foi diligente e atuou dentro dos prazos à época existentes – cumpra algo até então inexistente”, razão pela qual a irretroatividade da LIA neste ponto é flagrante.

Por fim, cumpre esclarecer que segue vigente a tese definida em repercussão geral pelo plenário do STF (RE 852.475 – SP), que consagra o seguinte entendimento: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.

*Henrique Carmona é sócio da área de Contencioso Estratégico do Almeida Advogados; Larissa Santos Morais é advogada da área de Contencioso Estratégico do Almeida Advogados.


[1]https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=1199

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