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Artigos 10/06/2020

A (In)Certa Entrada em Vigor da LGPD no Brasil

Como uma improvável sucessão de atos normativos trouxe emoções e inseguranças de última hora aos que se preparam para a implementação da LGPD no País.

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18) ou LGPD (“LGPD” ou “Lei”) tomou cerca de 10 anos de discussão legislativa e foi celebrada pela quase maioria dos brasileiros quando foi finalmente aprovada: enfim o Brasil teria um regime legal protetivo para privacidade de dados e enfim a economia baseada em dados teria um parâmetro objetivo e robusto para orientar o desenvolvimento de negócios e investimentos.

Mas mal sabiam todos que a via crucis do tema em solo tupiniquim estava longe de terminar. Tal qual roteiro de thriller cinematográfico, a entrada em vigor da LGPD ainda guardaria capítulos finais de emoção.

I – Sucessivas Mudanças nas Datas de Vigências

Em seu texto original, a Lei entraria em vigor em fevereiro de 2020. No entanto, em julho de 2019[1] sua vigência foi prorrogada para agosto de 2020, mantendo os artigos referentes à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”) em vigor imediato. Contudo, a ausência de coordenação do tema pelo Poder Executivo e a demora na formalização e operacionalização da ANPD, indispensável para a orientação e controle da aplicação da Lei, somada ao final ao caos generalizado da Pandemia, tornou necessária e inevitável nova prorrogação do prazo de entrada em vigor da LGPD.

Foi o que fez a Medida Provisória 959/2020 quando, perdido no último artigo de uma Medida Provisória que tratava da dispensa de licitação da Caixa e Banco do Brasil para pagamento de benefícios emergenciais relacionados à Pandemia[2], trouxe de forma quase sorrateira a prorrogação da vigência da LGPD e da aplicabilidade de suas sanções para 3 de Maio de 2021.

Pois bem, o que parecia resolvido enfim ganhou novos contornos de emoção quando no final de maio de 2020 o PL 1179/2020 foi aprovado pelas duas casas do Congresso, alterando a data de aplicação das penalidades da LGPD para agosto de 2021, mas escolhendo não alterar a data de entrada em vigor da lei e mantendo sua redação originária.

Ou seja, a LGPD passou a ter uma previsão de entrada em vigor diferente da entrada em vigor das suas sanções e, ainda, com a possibilidade de alteração da data de vigência de um dia para a noite caso a validação da Medida Provisória 959/20 não ocorra.

Situação confusa que será melhor explicada a seguir.

II – Cenários Atuais para a Entrada em Vigor da LGPD

Incerteza posta, são dois os possíveis cenários e que se tenta abaixo explicitar:

(i) Cenário Atual: LGPD entra em vigor em 3 Maio de 2021 e as Penalidades somente podem ser aplicadas em Agosto de 2021. Seguindo a regra geral das Medidas Provisórias, a MP 959/20 tem vigência imediata e transfere para maio de 2021 a entrada em vigor da LGPD, tendo o PL 1179/20, por ser norma posterior, alterado a entrada em vigor das penalidades para agosto do mesmo ano.

Contudo, para que tal cenário ocorra, o Congresso precisa validar a MP 959 no prazo de 120 dias (até o fim de agosto 2020), sob pena de caducidade da MP e perda dos seus efeitos, o que levaria para o Cenário Eventual abaixo.

(ii) Cenário Eventual: MP 959/20 não é recepcionada pelo Congresso e caduca, voltando a valer a data de vigência “original” da LGPD[3] em agosto de 2020. Caso o Congresso Nacional não aprove a tempo ou reprove a MP 959/20, o prazo de entrada em vigor da LGPD que seria 03 de maio de 2021 voltaria a ser agosto de 2020, o que em termos práticos tornaria a Lei imediatamente vigente.

O mais grave é que não poderia o senso comum dizer que tal cenário seria livre de impactos já que as penalidades só seriam aplicadas em agosto do ano seguinte. Ainda que as penalidades de natureza administrativas estariam suspensas, os preceitos e cumprimento estrito da LGPD poderiam, sim, ser exigidos, estando, i.e., cidadãos e entidades de defesa de direitos difusos habilitados a exigir dos obrigados pela LGPD todas as providências lá dispostas, sob pena de indenizações e outras penalidades de natureza cível.

Tal cenário se transforma em caos total quando somado ao fato de que, pelo andar da carruagem, a ANPD sequer estará operando a partir de agosto e não poderá desempenhar o seu importante papel técnico de orientação específica sobre a aplicação da Lei. Restará um vácuo regulatório que será preenchido por intérpretes não especialistas (ainda que bem intencionados), o que poderá desvirtuar significativamente e já na largada o espírito da LGPD no Brasil.

III – O que Fazer Então?

Aos obrigados pela LGPD resta uma escolha e a aposta:

(a) Rezar pela aprovação da MP 959/20 e concretização do prazo de 3 de maio de 2021 para a entrada em vigor da LGPD, o que daria a todos mais tempo para se preparar internamente e aguardar a ANPD para esclarecer pontos da Lei que restam cinzentos, ou

(b) Ser conservador e entender o incerto cenário político do Brasil para desde já implementar todas as regras previstas na LGPD, evitando que o roteiro hollywoodiano imposto torne a todos vítimas de um filme de terror.


[1] Lei Federal 13.853/2019.

[2] MP 959/2020.

[3] “Original” entre aspas, pois é a data de vigência posteriormente trazida pela Lei 13.853/19.

Autores: Leonardo Palhares e Larissa da Costa Andrade

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