I. Introdução:
As Sociedades Limitadas são reguladas pelo Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), mais especificamente em seus artigos 1.052 a 1.087 e, na omissão destes dispositivos, pelas normas da sociedade simples[1].
De acordo com o Código Civil, “celebram contratos de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços, para o exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”[2]
Ora, conforme disposto acima, fica claro que (i) deve haver mais de uma pessoa para que exista uma sociedade; e (ii) devem haver direitos o obrigações recíprocos, em prol de um bem comum, para que haja qualquer resultado a ser partilhado. Para que exista o bem comum, é necessária vontade de permanência como sócios entre as pessoas envolvidas, a “affectio societatis”.
O que fazer quando não há mais o desejo de permanência como sócios? Qual o prejuízo para a sociedade?
Antes que sejam respondidas as perguntas acima devemos lembrar que o Direito Brasileiro tutela a sociedade, acima da figura dos sócios. A sociedade não existe apenas para gerar lucros a seus sócios, mas tem sim uma função social, de gerar empregos, renda, arrecadação de impostos, entre outras finalidades que visam o bem estar geral. Por outro lado, ninguém é obrigado a permanecer associado com outrem caso assim não queira.
Dessa forma, considerando as premissas estabelecidas, a legislação brasileira dispôs de mecanismos de exclusão de sócios de que visam a preservação da sociedade, tutelando também o direito individual do cidadão de manter-se ou não em sociedade. É mister manter a sociedade, de forma que ela possa atingir seu fim social, sem, contudo ofender o direito individual de contratar livremente.
II. Exclusão do Minoritário por vontade própria:
Conforme dispõe o Art. 1.029, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios.
A notificação deve ser feita com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias, sendo que os demais sócios podem decidir, nos trinta dias subseqüentes à notificação, pela dissolução da sociedade. Caso não o façam, a sociedade remanesce, ainda que com um só sócio.
Ao sócio minoritário, tal notificação é de grande importância, demonstrando, além de sua intenção, sua boa fé diante da sociedade e demais sócios. É altamente recomendável que o sócio minoritário que deseje se desligar de uma sociedade, além da notificação enviada via cartório, acompanhe o trâmite de retirada de seu nome do contrato social e de eventuais registros públicos, que tornam a retirada oponível perante terceiros e evitam problemas futuros, em especial em caso de ações fiscais e trabalhistas.
Caso somente existam dois sócios, o sócio remanescente pode permanecer como único sócio por um período de 180 (cento e oitenta dias), após o qual deve (i) indicar novo sócio; ou (ii) dissolver a sociedade.
Caso seja a sociedade de prazo determinado, deverá o sócio provar judicialmente justa causa para sua retirada. Nesse sentido, cabe ressaltar que, de acordo com parte da doutrina, meros desentendimentos no curso dos negócios não são suficientes para ser dissolvida completamente ou parcialmente a sociedade, sobretudo a de prazo determinado, cuja dissolução, ainda que parcial pode causar malefício dificilmente sanável (em virtude do prazo certo). Como preceitua José Waldecy Lucena, se a sociedade nasceu do consensus, o dissensus a extingue[3], sendo que tal dissensus deve ser significativo, tal qual o consensus necessário à sua formação.
III. Exclusão do Minoritário por vontade dos demais sócios:
a. Regra Geral do Código Civil
Com relação à resolução da sociedade em relação a um sócio por decisão dos demais, o Código Civil estabelece que os sócios que detenham a maioria do capital social podem excluir judicialmente sócio que tenha cometido falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou ainda por incapacidade superveniente.
A incapacidade superveniente se prova com mais facilidade em ação específica e geralmente é evidente em atos ou fatos relacionados ao sócio. Já a falta grave, esta deve ser sustentada por o maior número de documentos possível que justifiquem a atitude da maioria dos sócios, entre os quais comunicações expressas referentes aos deveres de sócio e atos praticados pelo mesmo em afronta a tais deveres.
Entre os deveres do sócio, talvez o mais importante seja o de zelar pelo bem da sociedade, jamais praticando atos que vão ao desencontro dos interesses da mesma, tais como concorrência desleal e a prática do “insider trading”.
Ainda, é falta grave do sócio ir contra o estabelecido no Contrato Social, como por exemplo, se passar pelo administrador da sociedade, por ela se obrigando perante terceiros ou utilizando-se da denominação social para fins estranhos ao objeto social da sociedade, em interesse próprio ou de terceiros.
Ainda nesse sentido, a falha de um dos sócios em integralizar o capital é de tal forma grave, podendo causar eventual mora da sociedade, que merece uma disposição em separado, sendo a obrigação de integralização a primeira do sócio com relação à sociedade. [4]
Vale dizer, a formalidade da sociedade e das comunicações entre seus sócios é ferramenta de grande valia nos casos de exclusão por “justa causa” de sócio minoritário.
b. Regra Específica das Sociedades Limitadas
A despeito da regra geral, aplicável às sociedades empresárias, as sociedades limitadas mereceram albergue específico pelo Código Civil também no que diz respeito à exclusão de sócio minoritário.
Conforme disposto no Art. 1085, “quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social da sociedade, entender que um ou mais sócios está pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.”
O parágrafo único do artigo determina que deverá, para a exclusão, ser convocada reunião específica, à qual deve o acusado estar presente, permitindo o exercício do direto de defesa.
Inicialmente, cumpre esclarecer que a exclusão prevista no Art. 1085, ao contrário da prevista no Art. 1030, é extrajudicial. Ainda, a previsão do Art. 1085 é confusa com relação a quem tem a titularidade para exclusão. O Art. 1030 fala em maioria dos sócios enquanto o Art. 1085 fala em “maioria dos sócios, representantes de mais da metade do capital social” ou seja, caso seja necessária a exclusão de um sócio, extrajudicialmente, esta somente poderá se realizar se a sociedade tiver mais dois sócios (“maioria dos sócios”) e estes detiverem em conjunto mais da metade do capital social. Ou seja, pela leitura conservadora do Art. 1085, no caso de sociedade com dois sócios, a exclusão de um deles somente poderá ser realizada consensualmente ou judicialmente, mas não extra-judicialmente, por vontade do majoritário.
Ainda, há uma disparidade de conceitos entre ambos os artigos. O Art. 1030 fala em “falta grave no cumprimento de obrigações” e o Art. 1085 em “atos que ponham em risco a continuidade da empresa, de inegável gravidade”. Ainda que mera questão de técnica de redação, a diferença de conceitos por gerar confusão entre o que seriam faltas graves e atos de inegável gravidade. Nos parecem expressões com o mesmo significado.
O que efetivamente gera a diferença conceitual e a escolha do caminho a ser seguido, em nossa opinião, é a gravidade dos desentendimentos entre as partes (sendo que uma dissolução parcial judicial deve ser buscada em casos desentendimentos mais graves) e o estabelecido no contrato social, sendo que a dissolução parcial extrajudicial (do Art. 1085) deve ser prevista em contrato.
Os atos a serem considerados são os mesmos, com relação à gravidade e, da mesma forma, devem ser fartamente documentados.
Por fim, o Código Civil, em seu intuito de proteger a sociedade, que é seu princípio basilar no capítulo das sociedades, casou uma demasiada burocracia para exclusão extra-judicial de sócio minoritário, com a deliberação de previsão específica e estabelecimento de reunião específica para o fim, aumentado em muito a possibilidade de exclusões judiciais, mais custosas e demoradas.
V. Jurisprudência
SOCIEDADE COMERCIAL – Dissolução parcial – Admissibilidade – Retirada de sócio, em face do desaparecimento da affectio societatis – Apuração de haveres – Inclusão de todos os bens – Apuração, também, dos pro-labores devidos – Reconvenção procedente – Recurso provido É perfeitamente possível a saída do sócio incompatibilizado da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, constituída por prazo indeterminado, sem que haja dissolução da própria sociedade. (Relator: Ferreira Conti – Apelação Cível n. 221.455-2 – São Paulo – 30.05.94)
SOCIEDADE POR QUOTAS – Responsabilidade limitada – Dissolução parcial por vontade de um dos sócios – Sociedade celebrada por prazo indeterminado e constituída por apenas duas pessoas – Irrelevância – Preservação da empresa com apenas um dos cotistas – Existência, ademais, de previsão contratual a respeito – Recurso provido JTJ 206/214
SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – Sociedade apenas dois sócios – Dissolução parcial – Admissibilidade – Doutrina da preservação da empresa – Apuração de haveres do dissidente, todavia, deve ser o mais próximo possível da dissolução total – Recurso provido. (Apelação Cível n. 15.455-4 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Privado – Relator: Linneu Carvalho – 03.03.98 – V.U.)
SOCIEDADE POR QUOTAS – Responsabilidade limitada – Dissolução parcial – Ajuizamento por sócio minoritário – Cabimento – Rompimento da “affectio societatis” – Princípios da autonomia da vontade e da preservação da empresa – Interpretação do artigo 335 do Código Comercial – Recurso não provido JTJ 162/157
É possível verificar pela farta jurisprudência existente sobre o fato, que (i) a dissolução parcial é tanto pedida pelo majoritário quanto pelo minoritário, que não mais tem interesse em permanecer na empresa; (ii) os magistrados sempre levam em conta o rompimento da affectio, independente dos fatos que levaram a tal rompimento, se atendo ao princípio da liberdade de contratação; (iii) a preservação da empresa é sempre levada em conta, sendo comum serem julgadas improcedentes reconvenções dos sócios excluídos no sentido da dissolução total da empresa, com base na função social da mesma.
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[1] Artigo 997 ao 1.038 do Código Civil
[2] Artigo 981.
[3] Lucena, José Waldecy in Das Sociedades Limitadas, 5 edição, Rio de Janeiro, Renovar, 2003.
[4] Art. 1004 do Código Civil.
Fonte: Almeida Advogados
– Maria Carolina La Motta Araújo Aniz