06/11/2008 – LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE NOS CONTRATOS DE SOFTWARE
No Direito brasileiro, as regras atinentes à limitação da responsabilidade sofreram, com o advento do novo Código Civil[1], modificações que atingiram diretamente o princípio do pacta sunt servanda, pelo qual as partes ficam totalmente vinculadas ao contrato por meio do qual celebram um negócio jurídico.
Ressalta-se que antes da entrada em vigor do Código acima referido, já havia microssistemas que mitigavam consideravelmente os efeitos de tal princípio, vedando ou limitando cláusulas de grande utilização previstas na maioria dos contratos, a exemplo da chamada cláusula de não indenizar.
Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor considera abusiva toda e qualquer cláusula que contenha óbice ao dever legal de o fornecedor indenizar o consumidor, classificando-a, por conseqüência, como nula de pleno direito e, portanto, ilegítima sua inclusão nos contratos de consumo[2].
O atual Código Civil, seguindo esta tendência, também estabeleceu regras no sentido de diminuir a rigidez das cláusulas que têm por finalidade vincular totalmente as partes ao instrumento contratual, em prestígio ao princípio da função social do contrato.
A opinião da doutrina é a de que o contrato estará conformado à sua função social quando as partes se pautarem pelos valores da solidariedade (CF, art. 3º, I), da justiça social (CF, art. 170 caput), da livre iniciativa, for respeitada a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e não se ferirem valores ambientais[3].
De outro lado, a função social não estaria atendida quando: a) a prestação de uma das partes for exagerada ou desproporcional, extrapolando a álea normal do contrato; b) quando houver vantagem exagerada para uma das partes; c) quando quebrar-se a base objetiva ou subjetiva do contrato, entre outras razões[4].
Assim, e em atenção ao princípio em comento, é perfeitamente admissível a inclusão de cláusula de limitação de responsabilidade nos contratos, qualquer que seja a sua natureza.
A intenção do legislador brasileiro, por meio das inovações trazidas pelo Código Civil, foi justamente a de mitigar a força que se dava aos contratos celebrados entre as partes, nas hipóteses em que as vantagens estabelecidas para uma delas fossem ou se tornassem extremamente desproporcionais em relação à outra.[5]
Isso não significa dizer, contudo, que a cláusula de limitação de responsabilidade inserida em um contrato seja, de plano, considerada nula por eventual afronta à mencionada função social dos contratos.
A “Lei do Software”, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, estabelece que nos contratos de licença serão nulas as cláusulas que não permitam a fixação de responsabilidade entre as partes contratantes[6].
Daí por que, não só à luz do que determina o Código Civil, mas também em razão da lei específica destinada à proteção dos direitos autorais sobre programas de computador, é perfeitamente admissível se considerar válida, por exemplo, uma cláusula contratual que fixe a responsabilidade da parte ao valor anual do contrato, considerando-se o ano da infração, ou que, num outro exemplo, limite a responsabilidade da parte ao valor da obrigação principal pactuada, dentre inúmeras outras limitações possíveis de fixação de responsabilidade contratual.
Portanto, e ao contrário do que uma análise menos atenta desta questão poderia sugerir, o estabelecimento de limitação da responsabilidade em contratos não implica afronta direta ao princípio da função social. Pelo contrário, permite que o negócio jurídico celebrado possa ser cumprido, o quanto possível, em plena igualdade de condições entre as partes envolvidas.
O Almeida Advogados conta com equipe de profissionais com expertise no setor de Tecnologia da Informação, bem como na elaboração e análise de contratos, colocando-se à disposição para prestar quaisquer outros esclarecimentos necessários em relação ao assunto abordado neste artigo.
[1] Lei nº 10.406/02.
[2] CDC, arts. 25 e 51, I.
[3] NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. São Paulo: Editora RT. 2003, pág. 336.
[4] idem.
[5] Essa é a interpretação que julgamos mais adequada para o artigo 2.035 e parágrafo único do Código Civil, a seguir transcrito: “Art. 2.035: A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único: Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.
[6] Art. 10, da Lei nº 9.609/98. Os atos e contratos de licença de direitos de comercialização referentes a programas de computador de origem externa deverão fixar, quanto aos tributos e encargos exigíveis, a responsabilidade pelos respectivos pagamentos e estabelecerão a remuneração do titular dos direitos de programa de computador residente ou domiciliado no exterior.
§ 1º. Serão nulas as cláusulas que:
II – eximam qualquer dos contratantes das responsabilidades por eventuais ações de terceiros, decorrentes de vícios, defeitos ou violação de direitos de autor.