Introdução
Resultado do incremento nas últimas décadas das normas ambientais brasileiras, as exigências acerca da proteção ao meio ambiente mostraram significativo aumento. Com efeito, o enrijecimento da questão ambiental gera efeitos de significativa importância para aqueles a quem incumbe o dever de proteção, entre eles uma relevante questão: o que se deve esperar para que uma obrigação de cunho ambiental seja efetivamente considerada cumprida?
O questionamento é de profunda importância na medida em que será a partir do conhecimento do “o quê” exatamente era exigido de um determinado agente que seria possível verificar se sua obrigação para com o meio ambiente foi ou não devidamente adimplida e, via de conseqüência, será a partir daí que se poderá discutir ou não os limites da sua responsabilidade ambiental.
Até hoje, a grande maioria das discussões doutrinárias acerca das obrigações de proteção do meio ambiente fixou seu interesse na construção e desenvolvimento dos institutos relacionados à responsabilidade objetiva por danos ao meio ambiente. Contudo, é justamente na natureza da conduta do agente e no “o quê” se espera efetivamente dele no cumprimento do seu dever de proteção ambiental que se fundam as bases da responsabilidade civil (noção de conduta) e que, sem qualquer dúvida, devem ser analisadas. A responsabilidade civil, objetiva ou não, se funda inexoravelmente na conduta do agente, não podendo o Direito Ambiental se furtar à análise de tal aspecto.
Como exemplo, estaria um empreendedor cumprindo suas obrigações ambientais se adotasse todas as medidas e técnicas ao seu alcance para evitar a degradação ambiental ou estaria ele condicionado à não ocorrência de qualquer degradação para se eximir de eventuais responsabilidades?
Com efeito, apesar de inquestionável a aplicação dos preceitos da responsabilidade objetiva no direito ambiental, permanece a ser discutida a noção de resultado nas obrigações envolvendo o meio ambiente. Neste diapasão, o presente artigo se propõe a fomentar essa discussão, ainda que perfunctoriamente. Para tanto, aventa num primeiro momento a possibilidade de aplicação da teoria do resultado do direito civil aos preceitos do direito ambiental (Capítulo II), demonstrando em seguida a relevância da aplicação da referida teoria nas questões que emergem das atividades poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais (Capítulo III).
I – Teoria do Resultado diante dos riscos de degradação e impactos ambientais
A teoria do resultado, oriunda do direito civil, remonta ao direito romano, mas foi devidamente desenvolvida no início do século pelo jurista francês René Demogue e concentra-se no cumprimento das obrigações. Seus preceitos se fundam na análise da conduta do agente para se avaliar o real adimplemento de sua obrigação. A teoria do resultado, assim, considera nos resultados que incumbiam ao agente a verificação do cumprimento ou não de determinada obrigação.
1.1 – Obrigações de Meio e de Resultado e o Direito Ambiental
A teoria dos resultados divide as obrigações em duas grandes espécies: obrigações de resultado e obrigações de meio.
Na obrigação de resultado, o que se espera do agente é que determinado fim seja alcançado. O devedor não se exonera de sua obrigação a não ser pela verificação objetiva de ocorrência de um resultado específico. Neste sentido a análise do cumprimento da obrigação é, como já dito, objetiva, sendo, portanto, essencial a materialização do resultado para o efetivo adimplemento obrigacional.
Por outro lado, no tocante às obrigações de meio, muito embora as partes objetivem um determinado resultado, a obrigação específica não depende efetivamente da verificação deste ser considerada adimplida, mas sim pelo emprego pelo devedor de todos que dispunha para poder alcançar o resultado pretendido. Nas obrigações de meio o fator mais relevante é de ordem subjetiva, recaindo sobre a análise da conduta do devedor. A este incumbe o dever de agir diligentemente, com o esmero e destreza que poderia se esperar de um agente diligente para o caso concreto, não lhe sendo exigido que determinado resultado seja alcançado. O exemplo clássico que ilustra o instituto e o trabalho do advogado, que cumprirá sua obrigação agindo diligentemente na defesa do interesse do seu cliente, mas sem necessariamente se obrigar à vitória em determinada demanda.
Trasladada do direito civil para o ambiental, a teoria dos resultados propõe interessantes discussões ao considerar a conduta do agente que mereceriam aprofundamento oportuno. Dentre elas, destaque deve ser dado à noção de risco e impacto ambiental como resultado, figuras essenciais da aplicação da teoria do resultado ao direito ambiental.
1.2 – Dano e Impacto Ambiental – Uma Noção Invertida da Teoria do Resultado
Comparada à sua concepção clássica, a teoria dos resultados aplicada ao direito ambiental obedece a uma ótica invertida, já que o resultado que se espera do agente no tocante à proteção do meio ambiente é negativo. O que se almeja é que determinado risco não se materialize ou que determinado dano não ocorra. Desta forma, no que tange à obrigação de proteger o meio ambiente, será considerada sempre a atividade do agente buscando evitar a verificação de um determinado resultado.
Igualmente deve ser considerada a obrigação de meio. Todas as medidas que se esperam de determinado agente devem ser consideradas sob o escopo único de se evitar a degradação ambiental.
A importância da constatação da inversão ora apontada é de ordem teleológica, uma vez que a constatação do efetivo cumprimento de uma determinada obrigação de conservação do meio ambiente, ao contrário da doutrina civilista clássica, dependerá análise da não ocorrência do resultado repudiado. O capítulo seguinte desenvolverá melhor tais argumentos.
II – Obrigação de Meio e de Resultado relacionadas às atividades poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais
Devidamente tecidas as colocações iniciais acerca do instituto clássico da teoria do resultado e, em seguida, feitas as considerações necessárias acerca das características especiais da questão ambiental em relação à noção de meio e resultado, cumpre ao presente artigo a articulação de tais conceitos à casuística ambiental.
De fato, como salientado alhures, a relevância da teoria do resultado reside na expectativa de cumprimento da obrigação por parte do devedor. Assim, quando consideradas as obrigações de proteção ambiental, a teoria em comento se mostra de grande relevância na medida em que possibilita a formulação de resposta à importante questão acadêmica: seria a proteção ambiental uma obrigação de meio ou de resultado?
Apesar de não haver aparentemente qualquer dúvida no tocante à possibilidade de articulação dos conceitos da teoria dos resultados à seara ambiental, a resposta à questão acima, como sói acontecer nas ciências jurídicas, dependerá da análise do caso concreto.
Assim, na prática, isoladas em duas grandes espécies as hipóteses de degradação ambiental – Poluição ambiental e o dever de conservação (seção 2.1), pode-se visualizar com clareza a possibilidade da aplicação da teoria do resultado em cada uma das suas duas acepções (seção 2.2).
2.1 – Distinção entre as Diferentes formas de Degradação e Proteção Ambiental
Tarefa hercúlea, mas necessária para o prosseguimento das razões deste trabalho, é a classificação das diferentes formas de relacionamento entre o homem e a natureza. Assim, ainda que a fórceps, é possível classificar tal relacionamento em duas ordens distintas, conforme as conseqüências da ação do homem sobre o meio ambiente.
Desta forma, ter-se-ia de um lado os chamados (a) deveres de conservação de meio ambiente e de outro as (b) intervenções do homem sobre o meio ambiente.
(a) Deveres de Conservação do Meio Ambiente
Grande parcela dos deveres relacionados à proteção ambiental podem ser considerados como Conservação do Meio Ambiente. Em linhas práticas e evitando maiores digressões teóricas a respeito, a ordem da Conservação do Meio Ambiente envolveria todas as proibições legais de interferência que o homem tem vis-à-vis ao meio ambiente. São os deveres que impossibilitam o homem de alterar sob qualquer aspecto o meio ambiente.
Como exemplos podemos citar, entre tantos outros: (i) o dever de conservação da reserva legal sobre imóveis rurais, conforme estabelecido pelo Código Florestal, Lei n. 4771/67; (ii) a suspensão dos direitos de pesca durante as épocas de desova, conforme o Código de Pesca, Decreto Lei n. 221/67; (iii) o dever de conservação absoluto dos Parques Nacionais, Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei n. 9.985/00; etc.
(b) Intervenções do Homem junto o Meio Ambiente
A parcela restante dos deveres ambientais ora sob classificação envolveria aqueles que implicarem a efetiva Intervenção do Homem sobre o Meio Ambiente.
O homem, em suas atividades diversas, necessariamente interage com o meio ambiente, causando danos ambientais de diversas ordens com o objetivo maior de prover sua subsistência e conforto. Assim, desde o particular que conduz o seu veículo ao minerador que explora sua mina, o ser humano intervém junto ao meio ambiente, transformando-o e forçando o desequilíbrio ambiental – seja lá em qual escala for.
Considerando estas circunstâncias, não há como se vislumbrar da mesma forma as atividades de Intervenção Humana sobre o Meio Ambiente com os Deveres de Conservação mencionados no item (a) acima.
Todas as atividades do ser humano, de uma forma ou de outra, geram impactos sobre o meio ambiente e causam-lhe danos, sejam eles insignificantes ou absurdamente relevantes.
2.2. A Teoria do Resultado de Acordo relacionada à Proteção Ambiental
Devidamente elaborada a distinção entre as diferentes formas de relacionamento homem-natureza e elaboradas as diferentes ordens de existência dos deveres daquele para com esta, resta como última tarefa deste trabalho a articulação da teoria dos resultados e a proteção ambiental.
Com efeito, fazendo uso da classificação exposta na seção 2.1, é natural concluir que a teoria do resultado penderia de um lado a outro conforme a natureza da relação entre o ser humano e a natureza. O dever de conservação resultaria necessariamente numa obrigação de resultado (a) ao passo
que as intervenções do homem no meio ambiente deveriam ser sempre consideradas como obrigações de meio (b).
(a) O Dever de Conservação como Obrigação de Resultado
Considerando o dever de conservação do meio ambiente e de acordo com os exemplos estatuídos no item 2.1 (a), é de se considerar a hipótese como sendo uma obrigação de resultado, devidamente vinculado à inocorrência de qualquer dano ao meio ambiente tal qual protegido. A simples verificação da degradação já implica o descumprimento da obrigação de conservação.
O desmate em áreas indevidas, a pesca em época proibida ou qualquer outra infração a normas ambientais de conservação caracterizariam a verificação do resultado indesejado e, por conseguinte, significariam a infringência do dever de proteção ao meio ambiente. Tal fato implicaria a aplicação de todas as multas e demais penalidades ao agente infrator.
(b) Intervenções do Homem no Meio Ambiente como Obrigações de Meio
Ao contrário do mencionado no item anterior, as obrigações que implicarem necessariamente a intervenção do homem no meio ambiente para a sua natural materialização deverão ser sempre consideradas como obrigações de meio. Tal circunstância decorre logicamente da análise de qualquer situação prática.
Na medida em que a atividade livremente permitida pelo ordenamento jurídico já é, de per si, causadora de danos ao meio ambiente, o resultado a ser evitado (poluição ou degradação ambiental) já necessariamente ocorrerá, restando ao agente a alternativa de empregar em sua conduta todos os meios disponíveis para evitar que o malsinado dano se agrave.
Exemplificando, não há como se evitar a emissão de dióxido de carbono quando se circula pelas vias públicas num veículo automotor, mas há o seu proprietário zelar pela sua manutenção periódica com o fim de se evitar emissões além do aceitável. Da mesma forma, uma mineradora necessariamente irá causar degradações ambientais em grandes proporções, mas ainda assim sua atividade é permitida pela Estado. Resta apenas ao minerador o dever de evitar ao máximo o agravamento dos danos lançando mão de toda tecnologia disponível a um custo economicamente viável.
Conclusão
Apesar de não ter a pretensão de esgotar o tema proposto, o que por óbvio seria impossível em tão curto espaço, o presente estudo deverá servir ao menos para demonstrar a possibilidade e relevância da aplicação da Teoria do Resultado nas obrigações de proteção ambiental.
Como se viu, a teoria do resultado aplicada ao direito ambiental tem importante serventia na medida em que demonstra um novo elemento de análise no que concerne ao cumprimento efetivo ou não de normas ambientais. A conduta do agente deve ser analisada não apenas sob o pálio da responsabilidade objetiva, característica do direito ambiental, mas também à luz do critério das expectativas criadas em torno da conduta do agente.
Não basta, assim, a simples análise da ocorrência ou não de poluição ou degradação ambiental, é necessário seja identificada a conduta esperada do agente, se de meio ou resultado, para que a norma possa ser considerada obedecida ou não.
Almeida Advogados
– Leonardo Palhares