O DIREITO A LIVRE CONCORRÊNCIA
Conceituação de Concorrência
O direito positivo da concorrência tem sido conceituado como o” conjunto de regras que têm por objetivo a intervenção do Estado na vida econômica para garantir que a competição das empresas no mercado não seja falseada por meio de práticas conclusórias ou abusivas.”(Faria Werter R. Direito da Concorência e Contrato de Distribuição.”)
Em tese, nos sistemas econômicos, onde impera o princípio da liberdade de iniciativa de comerciar e concorrer, não pode haver entraves à essa liberdade, quase sempre, constitucionalmente, assegurada.
Assim, a lei pode limitar a aplicação do princípio da livre concorrência em razão do interesse público.
O interesse econômico trás ínsito a busca de um PODER, e sabemos que quem está investido ou possui um PODER, tende a abusar do mesmo. Daí a necessidade de disciplina através regras específicas e estrutura de controle.
A Livre Concorrência – Legislação Brasileira
Para nortear os legisladores comuns, desde 1946, o poder constituinte brasileiro vem estabelecendo, no título da Ordem Econômica, os princípios gerais da atividade econômica, com base na liberdade de iniciativa.
Assim, a livre concorrência está inscrita Capítulo I do Título VI ( Da Ordem Econômica E Financeira) da vigente Constituição Federal, como um dos princípios gerais que regem a atividade econômica. O livre exercício de qualquer atividade econômica é direito assegurado a todos( C.F,Art.170, inciso IV e § único).
A livre concorrência, sem duvida constitui um dos fundamentos basilares para a economia de mercado, requer regras e estrutura institucional capaz de fiscalizar a ordem econômica para a repressão ao abuso do poder econômico e impedir práticas anticoncorrenciais.
Nesse sentido, igualmente o suporte constitucional:-” A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.” (§ 4º do Art. 173 C.F) A lei estabelecerá a responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica e a responsabilidade desta, “sujeitando-a (os) às punições compatíveis com a sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira…”( § 5º Art. 173).
Sob a égide da legislação vigente são exemplos de condutas anticoncorrenciais: – cartel, ilícitos de associações profissionais, preços predatórios, fixação de preços de revenda, restrições territoriais e de base de clientes, acordos de exclusividade, recusas de negociação, venda casada e discriminação de preços.
II – A DEFESA DA LIVRE CONCORRÊNCIA
O CADE:-
Pelo Decreto-lei 7.666 de 22 de junho de 1942, foi criada a a Comissão Administrativa de Defesa Econômica (CADE), subordinada diretamente à Presidência da República, que foi extinta por meio do Decreto-lei 8162, de 9 de novembro de 1945.
Posteriormente, pela Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, recriou-se o CADE, passando a ser designado por Conselho Administrativo de Defesa Econômica,. O CADE foi mantido pela Lei nº 8.158 de 08.01.1991, e agora pela Lei nº 8.884, de 11.06.1994, transformado em autarquia., vinculada ao Ministério da Justiça. O CADE é um órgão técnico, que tem por escopo a prevenção e represão das práticas anticorrenciais, com poder de aplicação de sanções. As suas decisões são definitivas no âmbito administrativo.
A vigente lei de defesa da concorrência prevê não somente a atuação do CADE mas de mais duas Secretarias, a SDE Secretaria de Direito Econômico, criada em 1990,ligada ao Ministério da Justiça e a SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico, ligada ao Ministério da Fazenda, que no exercício de suas respectivas funções, respeitam o seguinte trâmite: – A SDE recebe as denúncias, dará início às averiguações preliminares e, ainda da andamento a um procedimento administrativo para com o objetivo de produção de provas, faz pesquisas, dá pareceres e, se houver implicações econômicas fará a remessa para a SEAE que emitirá o seu parecer.
A seguir, o processo irá ao CADE para julgamento, com as providências cabíveis e aplicação de penalidades.
O CADE é o responsável pela decisão final sobre matéria concorrencial na esfera administrativa.
Funções do CADE:-
Nos termos da lei 8.884/ 94, o Cadê tem por finalidade orientar, fiscalizar,prevenir e apurar abusos de poder econômico, ou seja desempenha três papéis:-
1. preventivo.
2. repressivo
3. educativo
Preventivo:-corresponde basicamente à análise de concentração, ou seja, à análise das fusões, incorporações e associações de qualquer espécie entre agentes econômicos. (art.54 e segs. da lei 8.884/94.).
Os atos de concentração em si não são ilícitos anticoncorrenciais, mas negócios jurídicos privados legítimos. O CADE nos termos do ar.54 da Lei 8.884/94 analisa os efeitos desses negócios, ou seja se haverá ou não restrições à livre concorrência, que a lei supõe em situações de concentração econômica acima 20% do mercado do bem ou serviços analisado, ou quando uma das empresas possui, no mínimo, quatrocentos milhões de reais de faturamento bruto anual.O CADE tem poder de impor obrigações – de fazer ou não fazer – às empresas como condição de aprovação (alienação de ativos, alteração de contratos ).
Reversibilidade:-
Um dos problemas apontados é a questão da reversibilidade das operações submetidas à decisão do CADE devido o mecanismo de análise a posteriori dos atos de concentração. As operações podem ser apresentadas previamente ou dentro de 15 dias úteis após a sua realização, sendo que a notificação ao CADE não suspende a sua concretização.
De acordo com a legislação vigente, caso a operação venha a ser considerada prejudicial à livre concorrência, o CADE pode impor condições à sua aprovação, ou mesmo determinar o seu desfazimento. Mas a delonga na tramitação dos processos torna extremamente difícil ou até mesmo impossível a volta ao status quo ante.
O CADE alternativamente tem optado por celebrar acordos de preservação e reversibilidade para acomodar situações em si sem retorno.
Repressivo: – Análise das condutas anticorrenciais estão previstas no art. 20 da Lei.884/94. Neste Caso o CADE tem o papel de reprimir as práticas infrativas da ordem econômica; – cartéis, vendas casadas, preços predatórios, acordos de exclusividade, dentre outras.
Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III – aumentar arbitrariamente os lucros;
IV – exercer de forma abusiva posição dominante
§ 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II.
§ 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.
§ 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.(Redação dada pela Lei nº 9.069, de 29.6.95)
O art. 21 menciona entre outras condutas: que caracterizam infração à lei concorrencial:-
……………………………………………………
XI – impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes, preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;
XII – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;
Educativo : Art. 7º,XV
RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES E
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: USO E ABUSO
A legislação brasileira contempla uma série de hipóteses de responsabilidade direta dos sócios e administradores, solidária ou subsidiária, aplicáveis a diversos ramos do direito. Nos últimos tempos, a responsabilidade dos administradores vem se intensificando ainda mais com a aplicação, muitas vezes de forma abusiva, da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
A empresa é, inquestionavelmente, o veículo para a geração de riquezas no país e deve ser incentivada como base para a persecução dos princípios que norteiam a Ordem Econômica, estampados no artigo 170 da Constituição Federal., no caso o direito à “propriedade privada”.
A empresa, como pessoa jurídica, originou-se da criação de um ente jurídico separado, com patrimônio próprio, distinto das pessoas naturais (sócios e administradores) que dela participam.
II – RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES
O nosso sistema jurídico contempla uma séria de hipóteses de responsabilidade
solidária ou subsidiária, de sócios e administradores de empresas, que agem em função da empresa,( representam e presentam a empresa) por atos próprios, quando tenham agido com dolo ou culpa, ou com violação à lei ou ao estatuto ou contrato social.
Tal responsabilização é direta, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, a qual trata de hipóteses em que se verifica uso abusivo da pessoa jurídica por parte de seus sócios e administradores.
A título exemplificativo, relacionamos algumas leis que versam sobre o tema:
Código Tributário Nacional:-
l:
Art. 134 – Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que foram responsáveis:…”III – os:-
administradores de bens de terceiros”. São também responsáveis os sócios (dirigentes) em caso de caso de liquidação de sociedades de pessoas.(art.134,VII)
São pessoalmente os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, responsáveis pelos créditos correspondentes aobrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ouou infração à lei, contrato social ou estatutos.( Art. 135 -II do CTN).
Lei das Sociedades por Ações
No mesmo sentido da responsabilização de administradores temos o disposto
no artigo 158 da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76):
“Art. 158 – O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações quecontrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde,porém, civilmente pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I – dentro de suas atribuições e poderes, com culpa ou dolo;
II – com violação da lei ou do estatuto”.
O artigo 159, por sua vez, prevê que compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia geral,a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio, incluindo em seu parágrafo 7° que a ação prevista no caput do artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.
III – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Resonsabilidade direta, solidária,ou subsidiária:-
Não bastasse o fato de que uma série de leis já estabelecerem, em determinados casos , a responsabilidade direta, solidária ou subsidiária, de administradores e sócios de empresas, tem-se notado, nos últimos tempos, o uso abusivo da teoria dadesconsideração da personalidade jurídica, gerando como conseqüência a inibição da atividade empresarial devido a insegurança jurídica.. Não são raras as vezes em que a responsabilidade direta, solidária ou subsidiária, dos sócios e administradores, acaba sendo confundida com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
São freqüentes os exemplos de pessoas que foram, ou sendo sócios ou até mesmo procuradores de sócios, ex – conselheiros de administração, ex-diretores ou até mesmo ex – gerentes de empresas assim como os que estão no exercício dessas funções,e são surpreendidos com o bloqueio de seus bens, muitas vezes por penhoras online efetuadas em fase de execução, para pagamento de dívidas trabalhistas (a grande maioria dos casos),tributárias ou previdenciárias, não porque abusaram da personalidade jurídica ou perpetraram fraude, mas tão somente pela incapacidade financeira da empresa em honrar determinada dívida ou ter sido há muito extinta..
A Lei da Defesa da Concorrência: Responsabilidade dos Administradores e Desconsideração da Personalidade Jurídica:-
O Título V arts.15 a 21 da Lei 8,884/94 trata das infrações à ordem econômica.
O artigo 15 especifica a aplicação da lei ao universo total de pessoas ( físicas, jurídicas de direito publico ou privad,o, associações constituídas de fato ou de direito, com ou sem personalidade jurídica).
O Art. 16 declara:n “As diversas formas de infração à ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus dirigentes administradores solidariamente.”
Desconsideração da personalidade jurídica:
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica é uma exceção ao princípio da separação patrimonial da empresa e dos seus sócios e, como do próprio nome se infere, consiste na extensão aos sócios e administradores de determinadas obrigações da sociedade, nas hipóteses de utilização indevida da pessoa jurídica em situações como fraude, simulação e abuso da personalidade.
O consagrado Jurista Rubens Requião em monografiaa sobre o tema afirma que:-
“…o que se pretende com a doutrina do disregard não é a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude)”. (“Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, Revista dos Tribunais, v. 410, 1969, São Paulo)
A desconsideração o da personalidade jurídica consta atualmente em diversos diplomas legais;-
Novo Código Civill (art. 50);
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio definalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que osefeitos particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares do administrador ou sócios da pessoa jurídica.”
Lembre-se que o Código Civil de 1916 dispunha:-
Art. 20 – As pessoas jurídicas têm existência jurídica distinta da dos seus membros”.
O novo Código Civil não reproduziu esse dispositivo .
Código de Defesa do Consumidor (Lei n°8.078/90);
O Código de Defesa do Consumidor no art.28, enumera as hipóteses que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica. Repete os dispositivos legais que tratam da responsabilidade direta de sócios e administradores.
Lei de Defesa da Concorrência(Lei 8.884/94)
A Lei 8.884/94, no art. 16 estabelece a responsabilidade direta da empresa e a responsabilidade individual dos dirigentes ou administradores solidariamente.
No art. 18, copia o texto da desconsideração da personalidade jurídica do Código de Defesa do Consumidor.:-
“Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso dedireito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”
Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98).
O artigo 4° da Lei 9.605/98 dispõe que:”Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade forobstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
E, ainda, ha quem também defenda a existência do instituto no Direito do Trabalho. entendendo que o § 2° do art. 2° daConsolidação das Leis do Trabalho (CLT) o consagra, apesar de não haver disposição legal expressa que permita a desconsideração da personalidade jurídicano Direito do Trabalho.
O mencionado § 2° do art. 2° está assim redigido: “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas,personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.
V – O ABUSO NA ADOÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA COMO REGRA E NÃO COMO EXCEÇÃO
Não há qualquer dúvida de que em determinadas situações pode-se encontrar
argumentos mais fortes em prol da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, mormente quando for comprovado ato ilegal, fraudulento, emulativo, ou ainda, nos dizeres do Código Civil, houver abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial 4 Conforme ensina Luis Gastão Paes de Barros Leães: “A desconsideração da personalidade jurídica,como técnica excepcional de modificação de centro de imputação, deve ser de aplicação restrita,como exceção à regra geral da separação entre pessoa jurídica e pessoa-membro, e ser aplicada nos casos concretos só quando ausentes os pressupostos da validade e licitude – da personalização”
(in “Pareceres”. Vol. I. São Paulo: Editora Singular, 2004, p. 383. Grifou-se)
O que não é admissível é confundir a responsabilidade de sócio, administrador, e principalmente de ex-socio, ex -administrador, por infrações ou adimplemento de obrigações por atos ou atos ou omissões que não lhe podem ser imputados..
Não é admissível aplicar a desconsiderção personalidade jurídica ” a la diable”.
Fonte: Almeida Advogados
– Hildegard Gutz Horta