Definição e Noções Básicas
Compete à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o poder de instituir tributos, que são exigíveis à vista da ocorrência concreta de determinadas situações. Assim, por exemplo, no exercício de sua competência, pode a União instituir imposto sobre a renda, exigindo esse tributo das pessoas que se vincularem à situação material descrita (renda).
A determinadas situações materiais não quer a Constituição que sejam oneradas por tributos (ou por um algum tributo especial). Dessa forma, a Constituição exclui certas pessoas, ou bens, ou serviços, ou situações, deixando-os fora do alcance do poder de tributar.
Essas situações dizem-se imunes. A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição de tributo.
Entende-se assim, que a imunidade é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão, entre outras), que faz com que se ignore a eventual (efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não-tributabilidade das pessoas ou situações imunes.
Semelhante à imunidade é a “técnica da isenção, por meio do qual a lei tributária, ao descrever o gênero de situações as quais impõe o tributo pinça uma ou diversas espécies (compreendidas naquele gênero) e as declara isenta (ou seja excepcionadas da norma de incidência), como será explicado mais a diante.
As imunidades são definidas em função de condições pessoais de quem venha a vincular-se às situações materiais que ensejam a tributação. Mas podem, também, as imunidades serem definidas em função do objeto suscetível de ser tributado (p. ex., o livro imune), ou de certa peculiaridades da situação objetiva (p. ex., um produto que em regra poderia ser tributado, mas, por destinar-se à exportação é imune). As imunidades podem ser subjetivas (atentas às condições pessoais do sujeito que se vincula às situações matérias que, se aplicada a regra, seriam tributáveis) e objetivas (para cuja identificação o relevo está no objeto ou situação objetiva, que, em razão de alguma especificidade, escapa à regra de tributabilidade e se enquadra na exceção que é a imunidade).
Grande parte das imunidades tributárias encontra-se na seção atinente às “Limitações do Poder de Tributar” (arts. 150 a 152 da CF), mas há normas esparsas sobre imunidade noutros dispositivos da Constituição, inclusive fora do capítulo pertinente ao sistema tributário nacional.
Distinção entre imunidade e isenção
Diante da definição do instituto, mister se faz ressaltar a distinção entre este e a isenção.
Como já foi dito, a imunidade decorre de uma determinação constitucional, portanto, de caráter superior, enquanto a isenção advem de norma infraconstitucional.
A imunidade atua no plano da definição da competência, e a isenção opera no plano do exercício da competência. A Constituição ao definir a competência, excepciona determinadas situações que, não fosse a imunidade, quedariam dentro do campo de competência, mas, por força da norma de imunidade, permanecem fora do alcance do poder de tributar outorgado pela Constituição. Já a isenção autua noutro plano, qual seja, o do exercício do poder de tributar: quando a pessoa política competente exerce esse poder, editando a lei instituidora do tributo, essa lei pode, usando a técnica da isenção, excluir determinadas situações, que, não fosse a isenção, estariam dentro do campo de incidência da lei de tributação, mas, por força da norma isentiva, permanecem fora desse campo.
Não se pode, deste modo, confundir este instituto de índole eminentemente constitucional com a isenção que, por sua vez, sempre ocorre mediante uma lei que a especifique, delineando todas as condições para a sua concessão, logo possuindo caráter infraconstitucional.
Além disto, a isenção consiste numa exceção à regra de tributação, numa parcela suprimida do âmbito da hipótese de incidência.
O texto constitucional e as espécies de imunidades
O artigo 150 da Constituição Federal de 1988 elenca todas as entidades e situações as quais são beneficiadas pelo instituto da imunidade, sendo o objeto desse estudo a Imunidade dos Templos Religiosos.
A Imunidade dos templos religiosos
O Brasil é um Estado laico (não há uma religião oficial), não devendo incidir IMOSTOS sobre templos e cultos.
Com essa regra imunitória, o legislador pensou em beneficiar a religiosidade. Assim, a imunidade irá atingir todas as religiões, desde que apregoem valores morais e religiosos consentâneos com os bons costumes (Art. 1º, III, CF; Art. 3º, I e IV, CF; Art. 4º, II e VIII, CF);, independendo da extensão do templo e do numero de adeptos.
O art. 5º, VI da CF/88 consagra a garantia de liberdade religiosa dos cidadãos, independentemente do modo como ocorra sua manifestação e divulgação.
Essa prerrogativa conferida aos templos pode encontrar sua razão partindo-se do pressuposto de que as atividades religiosas não ensejam lucro. Compreende uma forma de resguardar os interesses precípuos das igrejas e não desvirtuá-las para os assuntos da vida econômica.
Assim, nenhum imposto incide sobre os templos de qualquer culto. Entende-se como templo, não apenas a edificação, mas tudo quanto seja ligado ao exercício da atividade religiosa. Não havendo impostos sobre missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir imposto sobre bens pertencentes à Igreja, desde que não sejam instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como seus respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para atividades religiosas, ou para residência dos religiosos.
O templo, como sacro edifício, é imune tanto quanto suas rendas (de cerimônias, de missas, de batizados, de casamentos, etc), desde que reaplicadas no próprio culto. Caso as rendas auferidas por meio das atividades religiosas sejam destinadas a outros fins, dentro ou fora do país, serão tributáveis.
Mister se faz, aqui, definir, nas palavras do Min. Hahnemann Guimarães, o que vem a ser culto : “é o conjunto de práticas religiosas, destinadas ao aperfeiçoamento dos sentimentos humanos. É a manifestação externa da crença. O rito, esta parte da liturgia com que os homens veneram a Deus e aos Santos, é absolutamente livre, no regime republicano. Não há como o Estado intervir na determinação dos cultos, quaisquer que sejam eles, desde que não ofendam os bons costumes.”
Ainda, segundo os comentários de J. Cretella Jr., o edifício do templo não paga imposto predial, nem territorial, nem de transmissão inter vivos, em caso de alienação. No entanto, quanto às taxas e às contribuições de melhoria, os templos são tão tributáveis quanto os demais imóveis (taxas de água e esgoto, contribuição de melhoria pela pavimentação da rua, taxas de obras).
Com referência às rendas provindas dos conventos e de outras instituições religiosas, embora aplicadas nos cultos, são tributáveis, posto que foram auferidas fora dos templos.
Aliomar Baleeiro, reportando-se aos veículos de transporte usados para catequese, bem como para os serviços de culto, ou ainda, para serviços de atendimentos de doentes e moribundos, leciona que os mesmos estão incluídos no termo “templo”; sendo, portanto, não tributáveis.
É válido ressaltar novamente que o regime brasileiro não admite religião oficial nem subvenção de culto pelo Estado e, em assim sendo, todos os templos de culto podem alegar sua imunidade.
Quanto à tributação dos prédios alugados, bem como seus rendimentos, há quem sustente que os imóveis alugados, e os rendimentos estão ao abrigo da imunidade desde que sejam estes destinados a manutenção do culto. O entendimento é razoável quando se trate de locação eventual de bens pertencentes ao culto. Não, porém, quando se trate de uma atividade permanentemente deste. Com efeito, e a Igreja possuir centenas de bens locados, configurando-se em uma nítida “imobiliária celestial”, não se faria justiça ao estender-lhe a regra beneficiadora, haja vista a quebra da isonomia e dos princípios basilares da livre concorrência (Art. 170, IV c/c Art. 173, § 4º, CF).
O Egrégio Supremo Tribunal Federal, defende a necessidade de aplicação de uma teoria ampliativa (“não restritiva”), quanto à extensão dos efeitos imunitórios a atividades religiosas. Segundo o STF, estender-se-á o manto da regra imunizante, conferida à Igreja, às atividades diversas por ela exercidas, desde que se cumpram os requisitos a seguir delineados. Vamos a eles: (i) prova de que as rendas oriundas de atividades outras, não essenciais, são aplicadas integralmente na consecução dos objetivos institucionais (difusão da religiosidade); e (ii) prova de que não há ofensa à livre concorrência.
Não se pode limitar uma entidade religiosa que administra bem os seus “rendimentos” em adquirir imóveis, (desde que num numero moderado) para gerar renda à mesma e investi-la integralmente na suas atividades religiosas, com o intuito de ampliar sua atividade religiosa.
O Defloramento da Imunidade Tributaria
Conforme anteriormente discorrido, a imunidade tributaria é uma forma de exoneração fiscal, de natureza constitucional, pela qual o Estado fica proibido de instituir impostos sobre determinadas atividades.
Com a promulgação da Constituição de 1946, o legislador entendeu por bem conceder imunidade tributária para certas categorias e atividades, incluindo, nestas, os cultos religiosos.
Tal situação foi respaldada pelos textos constitucionais subseqüentes, sendo repetida, também, pela Carta Magna de 1988, no seu artigo 150, inciso VI, alínea “b” e, no § 4º do mesmo artigo.
Conforme exposto no art. 34, §1º, dos ADCT, o dispositivo acima entrou em vigor com a promulgação da Constituição, dispensando, por conseguinte, a edição de Lei Complementar.
Ao referido dispositivo vem sendo dado interpretação por demais extensiva pelo Supremo Tribunal Federal, chegando mesmo a decidir que “as entidades religiosas têm direito à imunidade tributária sobre qualquer patrimônio, renda ou serviço relacionado, de forma direta, à sua atividade essencial, mesmo que aluguem seus imóveis ou os mantenham desocupados” (STF, RE 325822, Relator Min. Gilmar Mendes).
O termo “atividade essencial” é por demais subjetivo, considerando que os cultos religiosos estão, hoje, autorizados a incluir, no âmbito da referida imunidade, praticamente todo o seu patrimônio, a sua renda e os seus serviços.
Apresenta-se por demais ambíguo que o Estado brasileiro, formalmente laico desde 1891, possa, atualmente, contribuir para a manutenção de cultos religiosos mediante a concessão de benefícios fiscais, em detrimento de milhões de cidadãos, obrigados a destinar quatro meses de trabalho ao ano para cumprir com suas obrigações tributárias.
Além de ofender o princípio da generalidade, tal imunidade afronta, também, o princípio da solidariedade fiscal, contribuindo, conseqüentemente, para o agravamento do desequilíbrio social. A dissonância entre a riqueza das religiões e a pobreza dos seus fiéis pede que aquelas sejam chamadas a contribuir para a manutenção da estrutura estatal, ajudando, substancialmente, a equacionar a distribuição de renda entre os nacionais.
Cumpre observar, que diversos cultos religiosos possuem cultura manifestamente discriminatória, violando direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição Federal. Com efeito, certas correntes religiosas condenam, ostensivamente, práticas sociais inseridas no âmbito das liberdades constitucionais, como a expressão artística e até mesmo a diversidade de crenças, além de boicotarem programas oficiais de saúde pública, como a doação de órgãos e tecidos.
Por fim, a falta de controle sobre o quantum arrecadado pelas instituições religiosas abre espaço não apenas à evasão de divisas, mas, também, à lavagem de dinheiro. De fato, muitas das religiões atuantes no Brasil possuem sede em outras nações, sendo que a ausência de fiscalização sobre o numerário arrecadado pelas mesmas facilita a remessa ilícita de dinheiro ao exterior.
Através da PEC 176-A/1993, o Congresso Nacional teve a oportunidade de discutir a supressão da imunidade tributária dos cultos religiosos. O autor do projeto, deputado Eduardo Jorge, assim fundamentou sua proposição:
“As imunidades tributárias que pretendemos suprimir decorrem, quase todas, da Constituição de 1946. Poucas foram introduzidas em nosso Direito pela Constituição de 1988. Em 1946, saía o país de um prolongado período ditatorial e os constituintes da época, sequiosos por liberdade de pensamento, pensaram consegui-lo e garanti-lo através de normas constitucionais. O que se viu, de lá para cá, ao atravessarmos um período negro da nossa história, foi que os cuidados tomados pelo legislador constitucional não foram suficientes para impedir a queda da democracia e a conseqüente perda das liberdades constitucionais. Além disso, o constituinte de 1946 não poderia prever que medidas baixadas com a melhor das intenções fossem utilizadas, anos mais tarde, para promover a evasão fiscal, abrigando-se à sombra da Lei Maior uma série de contribuintes que nem de longe poderiam pleitear os benefícios tributários concedidos pela Constituição. (…). Por último, caberia dizer que a revogação dessas imunidades fortalece a posição daqueles que, como nós, pensam que todas as camadas da sociedade devem contribuir para o fim comum, cada uma, é evidente, de acordo com as suas possibilidades, que nossa Lei Magna chama de capacidade econômica”.
A relatoria da Comissão de Constituição e Justiça, contudo, emitiu parecer contrário ao projeto, sustentando, em apertada síntese, que: a) a extinção do benefício violaria o princípio da liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI); b) a fiscalização esbarraria no fanatismo religioso de alguns servidores que poderiam prejudicar determinadas religiões.
Com a devida venia, tais argumentos não convencem.
Porque a Constituição vigente estabelece outras tantas espécies de direitos e garantias individuais, sem, contudo, conceder às instituições relacionadas qualquer benefício fiscal. Assim, a liberdade de trabalho (CF, art. 5º, XIV) não impede a cobrança do imposto sobre serviços; a liberdade de imprensa (CF, art. 5º, IX) não impede a cobrança de impostos dos jornais e revistas; a liberdade de locomoção (CF, art. 5º, XV) não impede a cobrança de IPVA e de pedágios nas rodovias nacionais; e assim por diante.
Observando-se a situação atual do Brasil, onde se discute o fim de privilégios tributários para fortalecer a economia, a contribuição efetiva das instituições religiosas para a manutenção do Estado deve, no mínimo, ser considerada pelos nossos dignos legisladores.
Diante do objeto de estudo aqui apresentado, infere-se que a matéria é bastante controvertida tanto em doutrina quanto em jurisprudência, vez que lida com demasiados conceitos de ramos do Direito Constitucional, Tributário e Administrativo, tendo, ainda, sua influência no âmbito econômico e social.
O instituto da imunidade configura um arcabouço jurídico de grande relevância para as entidades e situações por ela albergadas, de maneira superior, posto que é garantida constitucionalmente.
Contudo, apesar da importância do assunto e da crescente gama de posicionamentos jurisprudenciais, ainda, fomenta muitas dúvidas e discussões no meio acadêmico.
Em vista das controvérsias existentes a respeito da matéria, somente um estudo mais aprofundado e por demais específico seria eficazmente elucidativo.
Nesta pesquisa, tinha-se o objetivo de fazer um estudo conciso sobre os principais aspectos relevantes da matéria. Oportunamente, pretende-se tratar de pontos que aqui foram suprimidos de modo mais aprofundado.
Fonte: Almeida Advogados
– Roberto Camilo Junior