Em recente relatório divulgado no início de Abril, analisando o intercâmbio comercial com 55 países, o governo norte-americano, afigurado pelo Representante de Comércio da Casa Branca (USTR), reprovou com inédita veemência o combate aos crimes de falsificação e de contrafação (vulgarmente conhecidos como pirataria) no Brasil, em virtude dos inúmeros prejuízos causados por essa prática ilícita às indústrias norte-americanas de desenvolvimento de software, dentre outras. Robert B. Zoellick, Represente Comercial dos Estados Unidos, vale-se de dados fornecidos pela IIPA (International Intellectual Property Alliance), de acordo com os quais o Brasil seria o segundo maior mercado mundial de produtos pirateados. Desta feita, alegando respaldo no dispositivo Super 301, seção da lei comercial dos EUA que permite punição a práticas desleais no comércio internacional, o governo norte-americano ameaça impor sanções mais severas ao Brasil, já incluído em sua lista de observação (“Watch List”), caso medidas de maior rigor não sejam implementadas no combate à pirataria.
Imediatamente o Brasil respondeu, por meio de qualificados oficiais públicos, afirmando não aceitar as críticas norte-americanas, vez que as mesmas, dizem, fundam-se em índices de pirataria questionáveis. Adicionalmente, alegam os técnicos brasileiros, os Estados Unidos deveriam focar seu combate à pirataria nos países em que ela é produzida, e não naqueles que apenas a consomem.
Neste contexto de acusações mútuas, a receita federal, a polícia federal, e outros agentes do poder público, com desenvoltura jamais vista, fizeram destruição histórica de 680 milhões de toneladas de produtos falsificados no Porto de Santos. Na ocasião, o secretário da receita federal brasileira, Everardo Maciel, disse não conhecer qualquer operação desse nível no mundo, e que “o combate a esses produtos piratas deve começar onde eles são produzidos”. Ademais, numa demonstração de histeria injustificada, o secretário Brasileiro afirmou que a ação foi “uma resposta efetiva” ao comentário dos Estados Unidos, e que “mostramos como se faz, não simplesmente ficamos nos queixando”.
Os comentários do secretário da receita brasileira em defesa do país claramente demonstram a maneira como o poder público brasileiro visualiza a prática da pirataria. Para o governo nacional, a pirataria ainda é um mal que ataca prioritariamente os detentores de marcas e de direitos autorais, que vêem seus lucros sangrarem em virtude da perda de mercado para os piratas. Inadvertidamente, os governantes nacionais ignoram o fato de que a pirataria gera perda de arrecadação tributária e de empregos no Brasil. Ademais, ao se defenderem dos frios, conclusivos e detalhados relatórios norte-americanos que demonstram ter o Brasil grande tolerância com a pirataria, o que faz com que seja o país um dos maiores consumidores de produtos falsificados do mundo, o poder público não questiona o fato, mas usa o tema para se auto-afirmar em ações de marketing político. Finalmente, ao dizerem que os índices de pirataria alegados no amplo relatório da IIPA são questionáveis, os críticos nacionais, na ausência de argumentos técnicos, deixam de discutir o problema para atacar aquele que o estuda.
Qual diferença faz se o índice de pirataria de software de entretenimento é de 98% ou 87%? Basta andar pelo centro das grandes metrópoles nacionais para verificar que a pirataria de software, música, filme, vestuário, calçados, cigarros, e outros produtos pode ser facilmente encontrada. Nestas situações, devemos todos perguntar: “Onde está o Secretário da Receita Federal?”, ou “Onde está o Ministério Público?”, ou ainda, “Onde está a Prefeitura e o Estado?”. Os crimes de pirataria estão em todos os lugares, desmoralizando nitidamente o poder público, que não consegue reprimi-lo. Adicionalmente, a pirataria ainda zomba de toda a sociedade, uma vez que ao invés de parcela desta consumir produtos verdadeiros, que empregariam trabalhadores no Brasil e que gerariam riqueza para o país, preferem valer-se de produtos de qualidade enganosa, em detrimento do emprego e do desenvolvimento do Brasil. Isto tudo sem levar em consideração o fato de que a pirataria hoje gera lucros para grandes quadrilhas organizadas, que atuam em vários setores da economia, sempre de forma ilícita e lucrativa.
Há no Brasil um Comitê Interministerial de Combate à Pirataria de Direitos Autorais que está em funcionamento reprovável (reuniu-se apenas três vezes em um ano e não elaborou um só estudo sobre o tema). É preciso que os representantes do poder público nacional verifiquem o problema com a seriedade que a causa demanda e com visão de Estado. Que nossos representantes deixem de responder as críticas às externas simplesmente com discursos histéricos e provisórios e que possam permanentemente buscar soluções para este grave problema econômico e social.
Fonte: Almeida Advogados
– André de Almeida