As fraudes praticadas pelos usuários de serviços públicos objetivando burlar o valor da contra prestação devida, aliado a crescente inadimplência de muitos têm se tornado, não sem motivo, em um assunto polêmico e discutido reiteradamente inclusive no âmbito do Poder Judiciário.
A AES Eletropaulo estima que as fraudes provocam uma perda anual de 10% da energia elétrica que distribui a seus mais de 16 milhões de usuários regulares, sendo que só no ano de 2003, a empresa perdeu do total da energia contratada (38.980 GWh), o equivalente a R$ 600 milhões, por conta de fraudes nos medidores de consumo de energia na sua área de concessão, que abrange 24 municípios do Estado de São Paulo, inclusive a capital.
Apenas para que se tenha uma idéia, em termos estatísticos, temos que o total da energia roubada é suficiente para iluminar por 20 dias uma cidade como Osasco, o quinto maior município do Estado de São Paulo com 700 mil habitantes e quase 30 mil empresas.
Vale lembrar que a fraude de energia implica também em sonegação de impostos, uma vez que quando a empresa é prejudicada no pagamento da contra prestação devida, os tributos sobre ele incidentes deixam de ser arrecadados gerando conseqüências danosas para toda a sociedade que sofre, inclusive, com os reflexos do aumento de tarifa, que tem influência na sua formação, no percentual de energia elétrica perdida pelas empresas concessionárias de serviços públicos.
Ainda no âmbito do interesse coletivo, vale lembrar que o furto de energia constitui-se em verdadeiro crime tipificado no artigo 155 do Código Penal, apenado com um a quatro anos de reclusão e multa.
As perdas das concessionárias de serviços públicos com fraude e inadimplência obrigam as empresas a cada vez mais investirem pesadamente no combate a essas práticas gerando, como conseqüência, a chegada destas questões ao Poder Judiciário.
Tais conflitos de interesse vêm sendo amplamente e de forma recorrente analisados pela Justiça que ainda vem adotando posição um pouco comodista e extremamente consumerista na análise das demandas ligadas, em especial, as fraudes detectadas e suas conseqüências, se posicionando no sentido de que as empresas concessionárias, hoje nas mãos da iniciativa privada, sejam obrigadas a garantir a continuidade do fornecimento do serviço até o final da lide que se arrasta por vários e vários anos impedindo, até mesmo, a regularização das instalações nos imóveis.
Em que pese à combatividade perante o Poder Judiciário das concessionárias de serviços públicos que tem a seu favor regramentos legais inerente a área em que atuam, em especial a Lei das Concessões dos Serviços Públicos – Lei n° 8.987/95, de âmbito federal, e normas regulatórias, como aquelas exaradas pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, em específico a Resolução n° 456/2000, que prevêem a legitimidade e legalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica por justo motivo, em especial pela fraude e pelo inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade, tais ditames muitas vezes são deixados de lado na análise das questões postas em juízo.
Importante deixar claro que as concessionárias de serviços públicos possuem efetiva prerrogativa de proceder ao corte do fornecimento do serviço, nos casos de constatação de fraude e de inadimplência, direitos estes que lhe foram conferidos legalmente e reconhecidos pelo órgão regulamentador público, qual seja a ANEEL, sem que tal atitude implique em exercício arbitrário de seus direitos ou violação ao princípio da continuidade do serviço.
Isto porque o direito à continuidade de serviço público essencial, da forma como assegurado ao usuário no Código de Defesa do Consumidor e na Lei de Concessões, não significa que não possa haver corte no fornecimento. A continuidade aqui tem outro sentido, significando não só a disponibilização contínua do serviço ao usuário como que, em já havendo execução regular do serviço, o Ente Público ou seu agente delegado – concessionário ou permissionário – não pode interromper sua prestação, sem um motivo justo, como é o caso do inadimplemento e da fraude, na mesma esteira das excludentes de responsabilidade de força maior e caso fortuito, sendo, portanto, ato fundado e legal.
Quanto ao corte no fornecimento de energia elétrica, encarado erroneamente como sendo uma atitude da concessionária visando verdadeira “cobrança” mediante coação da dívida, o que seria inadmissível, tal alegação além de demonstrar total ausência de visão de uma atividade empresarial não encontra qualquer amparo legal ou sequer dentro das regras que regem a relação entre os usuários e a empresa para ser levada a efeito.
Isto porque, a interrupção do serviço nada contém em seu bojo a natureza ou a finalidade de cobrança, sendo que tal medida trata-se, em verdade, de manifestação da empresa em não continuar a prestar um serviço pelo qual não é devidamente remunerada, como é da essência da natureza dos contratos bilaterais.
O que se deve ter em mente é que em nenhuma relação onde haja um contrato regendo as partes, um dos contratantes pode, antes de cumprida sua prestação, exigir o adimplemento do contrato pela outra.
Assim, se as perdas persistirem, sem o amparo do Poder Judiciário, forçosamente só haverá um resultado final, qual seja, repartir o prejuízo entre a população, ou por meio do aumento do preço da tarifa ou por mecanismos tributários a fim de se compensar as perdas sofridas, sem que isso signifique um privilégio para esta ou aquela concessionária de serviços públicos.
Ainda há outras perdas, como o furto de fios e cabos da rede elétrica e as ligações clandestinas, mais conhecidas como gatos, que embora resultem em pesados prejuízos, são encarados, por exemplo pela AES Eletropaulo, como um problema social que deve ser enfrentado em parceria com o poder público.
Como se não bastassem às fraudes, os furtos e as ligações clandestinas a AES Eletropaulo ainda enfrenta uma grande inadimplência, que encontra no próprio poder público um de seus maiores representantes. Exemplo disso é a Prefeitura de São Paulo que, por si só, admitiu a existência de uma dívida no valor de R$ 606 milhões, acumulada desde 1996 e este prejuízo somado as perdas com inadimplência dos outros municípios abastecidos pela concessionária estes valores ultrapassam nos dias de hoje a casa dos R$ 900 milhões.
A par destas conhecidas perdas, o que mais causa espanto é que a maioria dos delitos de furto de energia são cometidos por empresas ou por pessoas movidas pela velha mentalidade de que é possível se levar vantagem em tudo, condutas essas que de um modo ou de outro refletem em toda a sociedade que pagam o preço final, ou melhor, arcarão com um serviço mais oneroso para todos em detrimento do enriquecimento ilícito de alguns.
Fonte: Almeida Advogados
– Andréa Seco