A interrupção de fornecimento de energia elétrica em decorrência do inadimplemento do usuário é matéria bastante controvertida entre estudiosos, profissionais, doutrinadores e membros do Poder Judiciário Brasileiro.
A principal polêmica inerente à discussão do tema deriva da sustentação da impossibilidade da interrupção do serviço em detrimento do princípio administrativo da continuidade do serviço público, bem como na violação da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, em especial seus artigos 22 e 42 que regulamentam a responsabilidade e características no fornecimento de serviço e a forma de cobrança de eventuais débitos oriundos da relação contratual.
Todavia, a verdade é que o princípio da continuidade do serviço público sofre limitações em sua aplicabilidade, que tornam a interrupção do fornecimento de energia elétrica, regularmente prevista por leis federais e resoluções normativas, em especial aquelas exaradas pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, um exercício regular de direito do Poder Público – exercido este por si ou através das concessionárias ou permissionárias de serviço público.
A partir de uma análise mais criteriosa quanto à correta interpretação dos princípios aplicáveis à prestação dos serviços considerados como essenciais nota-se que o princípio da continuidade não se aplica estritamente a interesses particulares, mas deve ser analisado objetivando atingir o interesse de toda a coletividade englobando, hoje em dia, também, metas de universalização e qualidade.
Isto porque, os serviços essenciais devem ser contínuos, no sentido de que não podem deixar de ser ofertados a todos os usuários, vale dizer, prestados no interesse coletivo. Assim, ao revés, quando estiverem em pauta interesses individuais, de determinado usuário, a oferta de serviço pode sofrer solução de continuidade, se não forem observadas as normas administrativas que regem a espécie.
Isto porque os serviços públicos, por sua natureza de utilização individual, facultativa e mensurável são prestados sob regime de remuneração tarifária (preço público) ou taxa (tributo), sendo que o inadimplemento pode determinar o corte no fornecimento do produto ou serviço por força, inclusive, da bilateralidade contratual, ou seja, o fornecimento do serviço está condicionado ao pagamento na forma e tempo devidos pelo usuário.
Importante frisar que a gratuidade não se presume e não se pode compelir ninguém, muito menos as empresas sob regime privado a prestar serviços ininterruptos se o usuário, em contrapartida, deixa de satisfazer suas obrigações relativas ao pagamento.
Neste sentido é que leis de âmbito federal, como a Lei das Concessões dos Serviços Públicos – Lei n° 8.987/95 e normas regulatórias, especialmente exaradas pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, prevêem a legitimidade e legalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica por justo motivo, em especial pelo inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.
Como se vê, o direito à continuidade de serviço público essencial, da forma como assegurado ao usuário no Código de Defesa do Consumidor e na Lei de Concessões, não significa que não possa haver corte no fornecimento, mesmo na hipótese de inadimplência do consumidor. A continuidade aqui, tem outro sentido, significando não só a disponibilização contínua do serviço ao usuário como que, em já havendo execução regular do serviço, o Ente Público ou seu agente delegado – concessionário ou permissionário – não pode interromper sua prestação, sem um motivo justo, como é o caso do inadimplemento, na mesma esteira das excludentes de responsabilidade de força maior e caso fortuito, sendo, portanto, ato fundado e legal.
E, ainda, analisando a questão de forma mais aprofundada, no tocante a utilização indiscriminada do Código de Defesa do Consumidor para amparo de maus pagadores, é imperioso ressaltar que, se considerado somente um usuário inadimplente, visualiza-se a posição do Poder Público, através de suas concessionárias ou permissionárias do serviço essencial, com parte hipersuficiente e, por outro lado, daquele usuário como parte hipossuficiente na relação existente. Contudo, se for considerado que no contingente de usuários uma grande parcela são maus pagadores, que trazem prejuízos não somente às prestadoras de serviço, mas acima de tudo à coletividade, as posições de hipo e hipersuficiência entre usuários e Poder Público são postos em xeque.
Outro argumento utilizado pelos defensores da impossibilidade do corte no fornecimento de energia elétrica é o de que tal atitude seria uma forma de “cobrança” mediante coação da dívida o que seria inadmissível, na medida em que a empresa disporia de outras formas, em especial mediante utilização do Poder Judiciário para cobrança de seu crédito.
No entanto, vale consignar que tal alegação também não encontra amparo legal ou mesmo dentro das regras que regem a relação entre os usuários e a empresa para ser levada a efeito. Isto porque, a interrupção do serviço nada contém em seu bojo a natureza ou a finalidade de cobrança, sendo que tal medida trata-se, em verdade, de manifestação da empresa em não continuar a prestar um serviço pelo qual não é devidamente remunerado, como é da essência dos investimentos privados e da natureza dos contratos bilaterais.