Questão que sempre vem à tona nas discussões relacionadas a fornecedores, de direito público ou privado, prestadores de serviços, é a que se relaciona à responsabilidade em decorrência de danos ou vícios nos serviços que comercializam. Essa questão sofreu, ao longo da história, alterações com a finalidade de acompanhar as transformações do mercado consumidor, imputando aos fornecedores a responsabilidade objetiva como regra nessas relações.
Antes de isso ocorrer, o consumidor encontrava-se desprotegido ao reclamar de vícios nos serviços contratados ou danos decorrentes dessa contratação. Mesmo com a evolução do consumo em larga escala, produção em série, termos de adesão para contratação de serviços, pode-se dizer que a classe consumidora assumia o risco pela contratação de um serviço viciado, o que de fato enfraquecia o poder de qualquer reclamação que esta classe detinha. Estavam vulneráveis, tendo em vista que a responsabilidade pelos danos causados pelo prestador de serviços deveria ser comprovada pelos consumidores prejudicados.
Em virtude da necessidade de garantir maior proteção aos consumidores de produtos e serviços na sociedade regida pelo consumo, a responsabilidade que dependia da comprovação da culpa do fornecedor, passou a ser objetiva, desde 1990 com a promulgação do CDC, que inovou o Ordenamento Jurídico Brasileiro ao prever nos artigos 12[1] e 14[2], a responsabilidade pelo fornecimento de produtos e serviços, respectivamente, independente de comprovação da culpa dos fornecedores, conhecido na Europa como responsabilidade “não culposa”.
Conforme descreve Claudia Lima Marques[3], o CDC adere à tendência européia, modificando o sistema brasileiro, que exigia a culpa própria (falha na esfera da atividade do fornecedor) para a responsabilização desse.
A base da responsabilidade objetiva é justamente a assunção do risco do negócio por parte dos fornecedores[4] que disponibilizam seus serviços e produtos no mercado visando o lucro decorrente dessa atividade econômica. O legislador pressupõe que o fornecedor, ao disponibilizar seus serviços e produtos, aufere receita capaz de arcar com os prejuízos sofridos pelos consumidores em decorrência das falhas que podem ocorrer na prestação dos serviços.
Dessa forma, para que haja a obrigação por parte do fornecedor de reparar a falha ou o dano percebido pelos consumidores, torna-se irrelevante em qual circunstância deu-se o evento danoso. Basta haver relação de causa e efeito (nexo causal) entre a conduta praticada pelo prestador do serviço e o resultado danoso, para que exista o dever de reparar.
Esta tentativa de “equilibrar” as relações de consumo trazida pelo legislador não pode, contudo, ser considerada absoluta para punir fornecedores em situações que se comprovam a ausência do nexo causal ou, como exemplo, a culpa exclusiva do consumidor, conforme se denota da leitura dos parágrafos 2º e 3º do artigo 14[5]. Nesses casos, o legislador pontuou situações em que o fornecedor de serviços não será responsabilizado por danos ou vícios alegados pelos consumidores.
Na realidade, nessas hipóteses, o próprio legislador sabiamente tratou de temperar a Responsabilidade Objetiva no CDC estabelecendo situações em que o fornecedor não responderá pelos danos experimentados pelo consumidor. Pode-se dizer que os dispositivos em questão são de fundamental importância para a defesa dos prestadores de serviços, tendo em vista que, não é raro encontrar demandas promovidas por consumidores que se utilizam rotineiramente da legislação protetiva (CDC), para acionar prestadores de serviços em situações que eles próprios deram causa ao dano por sua única e exclusiva culpa.
Como exemplo da situação mencionada, destaca-se as prestadoras de serviços de energia elétrica que estão sujeitas às demandas no Poder Judiciário que revelam, muitas vezes, o uso inadequado de instalações elétricas pelos consumidores, bem como a aquisição de equipamentos que, por si só, podem gerar danos, não só à rede elétrica, mas também, em seus estabelecimentos.
Embora a questão tratada no presente artigo possa até ser classificada como corriqueira, a produção da prova hábil a demonstrar a culpa exclusiva do usuário do serviço demanda alto conhecimento técnico, profundo conhecimento de legislações específicas e, sobretudo, bom senso jurídico na elaboração da tese de defesa que buscará romper o nexo que une o evento danoso à atividade comercial prestada. Exige ainda, maior cautela por parte do Poder Judiciário que deve reconhecer as exceções e tratá-las como tal, imputando corretamente, e caso a caso, a responsabilidade dos prestadores de serviços, sob pena de gerar novo desequilíbrio nessas relações favorecendo consumidores em hipóteses inadequadas e deixando de aplicar corretamente o CDC.
No atendimento de empresas fornecedoras de serviços, o escritório Almeida Advogados, depare-se com essas situações e conduz cada processo, visando à correta aplicação da responsabilidade objetiva e demonstrando situações de exceção à regra do dever de reparação dos fornecedores.
[1] “Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos” (grifo nosso)
[2] “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos” (grifo nosso).
[3]Contratos no Código de Defesa do Consumidor, pág. 1209.
[4] Conforme comenta o autor Luiz Antonio Rizzatto Nunes em sua obra Curso de Direito do Consumidor.
[5] “Art. 14 (caput).
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.
Fonte: Almeida Advogados
– Ana Carolina Renda e Cassio Augusto Ambrogi