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Artigos 01/09/2020

APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE O SIGILO DA ARBITRAGEM EM PROCEDIMENTOS RELACIONADOS AO MERCADO DE CAPITAIS

É notório o avanço da utilização da arbitragem no Brasil para solução de complexas demandas envolvendo sociedades anônimas de grande porte. Isso decorre do vasto arcabouço normativo sobre o tema produzido pela comunidade arbitral brasileira, do amparo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do anseio dos investidores por soluções técnicas, porém céleres, o que, infelizmente, por vezes, não ocorre no sistema judiciário tradicional – a despeito do bom entendimento que vêm sendo solidificado pelas varas especializadas e câmaras reservadas do Poder Judiciário paulista.

Em virtude do exponencial crescimento do número de procedimentos arbitrais envolvendo sociedades anônimas de grande porte, algumas questões intrínsecas ao instituto arbitral colocam-se em cheque àquelas vitais ao desenvolvimento de mecanismos de proteção ao mercado de ações. É o caso, por exemplo, do sigilo, característica inerente às arbitragens, todavia conflitante com o direito de informação dos acionistas e do dever de revelação dos administradores de sociedades anônimas pulverizadas.

Embora não se trate de discussão jurídica nova, recente comunicado ao mercado divulgado pela Petrobras, esclarecendo condenação parcial atribuída por Tribunal Arbitral em matéria relacionada aos fundos de investimento PETROS e PREVI, reacendeu a chama desta questão, que certamente demanda uma atenção especial por parte do legislador e da comunidade de arbitralistas para elaboração de  mecanismos que possibilitem a continuidade do uso das arbitragens em situações envolvendo mercado de capitais, contudo atendendo à divulgação de seus termos ao mercado, o que se mostra fundamental para o bom convívio entre acionistas e corporações.

A divulgação de fatos relevantes é pedra angular nos regimes de regulação dos mercados de valores mobiliários, cujo fundamento decorre justamente do princípio do full and fair disclosure. É, portanto, peça-chave para que os deveres informacionais impostos aos emissores e participantes do mercado de valores mobiliários sejam racionais e operacionalizáveis, evitando tanto a escassez quanto a sobrecarga de informações.

No que se refere aos procedimentos arbitrais, regulamenta a CVM, por meio do Art. 2º, XXII de sua Instrução Normativa 358[1], que a sociedade anônima de grande porte deve divulgar ao mercado fato relevante sempre que iniciado um procedimento arbitral cujo resultado possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia.

Mais do que isso, no passado, já entendeu a autarquia federal que referida obrigação também se estende à necessidade de divulgação do resultado do procedimento arbitral[2], contudo, mais recentemente, deixou a CVM de condenar diretor de relações com investidores de sociedade anônima pela ausência de divulgação de fato relevante acerca de decisão proferida em procedimento arbitral[3].

Na prática, porém, nota-se enorme descaso dos administradores para com os acionistas minoritários no que se refere à obrigação de divulgação de fidedignas e transparentes informações relacionadas aos procedimentos arbitrais. Muitos, indevidamente, utilizam-se do véu da confidencialidade para sobrepor informações que seriam do maior interesse da comunidade de acionistas e do mercado em geral.

Ante essas considerações e tendo em vista ser prática recorrente a divulgação de fatos relevantes que em nada contribuem para informação dos acionistas, mostra-se pertinente o comunicado ao mercado recentemente divulgado pela Petrobras com relação à condenação arbitral, postura essa que, inclusive, destoa de condutas pretéritas da própria estatal, uma vez que no passado se entendia por bem omitir relevantes informações de seus investidores, fossem estes brasileiros ou estrangeiros. Neste sentido, por exemplo, vale ressaltar que no curso da Class Action nº 14-CV-9662 movida por acionistas minoritários em face da Petrobras, a companhia sonegou informações aos seus investidores e, posteriormente, causou enorme reboliço em todo o mercado de ações brasileiro e norte-americano ao divulgar homologação de acordo na exorbitante quantia de US$ 2,95 bilhões, o que poderia efetivamente ter sido evitado com uma divulgação transparente e com antecedência.

A correta e precisa divulgação de fatos relevantes e comunicados ao mercado não apenas contribui para que o debate seja ampliado e que se busque maior proteção legislativa para garantia e efetividade do integral repasse de informações dos procedimentos arbitrais ao mercado, mas também sinaliza que as grandes corporações, a exemplo da Petrobras, parecem enfim ter logrado percepção de que o único caminho possível para o êxito empresarial é manter a sua comunidade de investidores atualizados sobre os procedimentos da companhia, sejam eles judiciais ou arbitrais, bem como da necessidade de demonstrarem com precisão seus resultados, ativos e passivos.

O Almeida Advogados conta com profissionais que possuem vasta experiência na defesa das prerrogativas dos acionistas minoritários e está à disposição para seguir contribuindo com a criação de normas e regulações que visem uniformizar os procedimentos de divulgação de informações relacionadas aos procedimentos arbitrais, bem como para adoção de medidas objetivando a garantia dos interesses daqueles que porventura sentirem-se violados pela ausência de informações e detalhamento de divulgação relacionada à procedimentos arbitrais.


[1]Disponível em http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst358.html (acesso feito em 14.08.2020, às 10h27min).

[2] Sobre o tema, vale conferir o relatório no caso Torque, PA nº RJ2012/13700, oportunidade que: “A SEP notificou a Companhia para que esta observe a Instrução CVM Nº 358/02, destacando que dado o tratamento dispensado pela Companhia ao divulgar o litígio, o resultado deste também seria relevante, por simetria. Resta claro que a Companhia deverá divulgar através de fato relevante o resultado da arbitragem.”

[3] Processo Administrativo Sancionador CVM nº 2016/7190.

Escrito por: André de Almeida e EDUARDO MACHADO TORTORELLA

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